No início deste ano a Netflix deu um recado para seus seguidores no Twitter: “Cada um de vocês que estiverem lendo isso agora devem arrumar um tempo para assistir Killing Eve. É uma verdadeira obra prima, em roteiro, direção e atuação. Meu Deus!… As atuações! O que a Sandra Oh e a Jodie Comer fazem nessa série é OUTRO. NÍVEL. DE PERFEIÇÃO! Assistam.” E a surpresa: a série nem está no catálogo da Netflix! Não sei vocês, mas funcionou comigo e precisei conferir o que tinha de especial nesse novo thriller de espionagem.
Produzida pela Hulu e pela BBC, Killing Eve é a adaptação da série de livros Codename Villanelle, de Luke Jennings. Sandra Oh (completamente diferente da Cristina Yang de Grey’s Anatomy) vive Eve Polastri, uma assistente do MI6 levemente workahollic que acha que pode fazer mais por seu trabalho mas não tem a receptividade que gostaria para suas ideias. Sua antagonista é Jodie Comer (Doctor Foster, The White Princess) e sua maravilhosa Villanelle, uma assassina profissional, psicopata e inteligentíssima que cruza o destino de Eve transformando a sua vida.
Já que falamos em “MI6” e “assassina profissional”, é óbvio que estamos nos referindo a uma caçada no estilo “gata e rata”, mas isso é que é o mais interessante em Killing Eve: a caçada é apenas um pano de fundo. A série é sobre os limites humanos entre a admiração e a obsessão.
Ao contrário do que esperava, Eve acaba escalada para encontrar Villanelle quando, logo na sequência, a assassina descobre que está na mira da agente. Ao mesmo tempo em que se orgulha de ser única, brilhante e de nunca deixar pistas, Villanelle se percebe fascinada com o fato de estar sendo caçada e, mais ainda, com a sua perspicaz caçadora. Por sua vez, Eve finalmente sente-se especial. Mais ainda: sente-se viva à medida em que desvenda o perfil de Villanelle e, sem perceber, deixa a admiração por seu objeto de análise transpassar o limite do razoável e beirar a obsessão.
Ambas são personagens mais que complexas e, como a Netflix já adiantou, as duas atrizes são o ponto alto da série. Sandra constrói uma mulher que, ao mesmo tempo que valoriza a estabilidade de sua vida ordinária e previsível, percebe aos poucos que pode querer mais de si, de seu trabalho e, porque não, da sua vida.
E tudo gira em torno de Villanelle que, também obcecada, cozinha sua algoz em banho-maria, deixando-lhe dicas e mensagens codificadas, provocando – aos poucos – a “morte” da Eve comum, metódica, organizada e lhe transformando em uma mulher um tanto afobada, talvez desleixada ou até mesmo negligente, porém sem perder seu charme. Daí o Killing Eve do título.
Eu seria leviana se não desse o devido destaque à incrível personagem que é a vilã assassina de Jodie Comer. Mesmo sendo da elite da espionagem mundial, sempre envolta em muita sofisticação, Villanelle por vezes se mostra uma garota mimada com extrema facilidade para ficar entediada. Sua psicopatia é quase ímpar no universo feminino e, a cada aparição, Villanelle pode subverter qualquer ordem e se mostrar mais forte e inteligente que qualquer inimigo. Jodie consegue fazê-la ser tão engraçada quanto insana e amedrontadora e, certamente, é responsável por boa parte do carisma hipnótico da personagem.
Esse “womance à distância”, cheio da nata do humor negro britânico não faria o menor sentido se não fosse o roteiro sensacional de Phoebe Waller-Bridge (Fleabag) e sua habilidade de transitar organicamente entre o drama, a comédia, a tragédia e o sarcasmo como ninguém. Tudo isso aliado a uma invejável capacidade para aproveitar todas as possibilidades abertas pelas atrizes e seu trejeitos impagáveis.
As reviravoltas são frequentes neste enredo dinâmico, curiosamente recheado de clichês que, por vezes, flerta com o surreal sem se distanciar do foco da narrativa. Soma-se a isso uma trilha sonora que batizei de “Soft Tarantino” e uma estética inspirada (ou herdada) do universo Bourne e teremos talvez o segredo do sucesso das duas primeiras temporadas de Killing Eve.