O vencedor do Oscar de melhor roteiro original por Birdman (2014) Armando Bo dirige aqui um bom drama em que ele testa o ser humano comum em seus limites máximos. Antonio Decoud (Guillermo Francella) vive um pai de família de 50 e tantos anos, com uma vida econômica estável, morador de um bom bairro da cidade argentina de Mar Del Plata, possuidor de um trabalho bem remunerado num frigorífico e que tem uma ótima relação com filhos e esposa.
O terror na vida de Antonio começa quando ele sofre um problema súbito de saúde em um de seus rins. Após dois anos e esgotadas várias tentativas legais junto ao governo em tentar um transplante, ele se vê diante de um jogo de decisões extremas, chantagens, busca frenética por um mercado negro, esgotamento mental e físico. Esgotamento que abraça também todo o ciclo íntimo e familiar de Decoud.
Ao longo desse processo e sem ser muito formulaico, Bo bebe um pouco no cinema de Lars Von Trier – em Dogville –, Michael Haneke – em Violencia Gratuita –, e Yorgos Lanthimos – em O Sacrifício do Cervo Sagrado. Ele conta com a ajuda de um inspiradíssimo Francella – sempre com seu rosto sereno e pleno – que vai se desmoronando aos poucos com ironias e explosões. Francella lembra muito suas atuações impecáveis em O segredo de seus olhos (2009) e em O Clã (2015). Sou fã deste cara. Da fala mansa pra agitada em seu belo acento portenho ele domina o filme.
Seus conflitos e suas experiências extremas têm o sinistro envolvimento de Antonio com um casal que vive às margens da sociedade: Lucy e Elias. Esta dupla é que vai ajudar o protagonista nessa busca pelo seu procedimento cirúrgico. Estes são o reflexo de muita coisa que acontece em nosso convívio, muitas vezes íntimo. Esta ‘pareja’ traz um ritmo intenso ao filme e assustador evidentemente a cada vez que surge na tela.
Quando Armando Bo te provoca uma sensação pesada e um reflexo sobre a burocracia do Estado e sobre o comportamento humano testado em seu grau máximo, ele atinge seu objetivo. Não sei ao certo se veria mais uma vez, mas gostei bastante. Mais um ponto pro belo cinema argentino.