O livro “As Ligações Perigosas” (1782), de Pierre Choderlos de Laclos, é uma obra bastante referenciada dentro da dramaturgia audiovisual, ganhando várias adaptações desde séries ou minisséries (como por exemplo “Ligações Perigosas” em 2003 com Catherine Deneuve), ou filmes adaptados para uma realidade mais recente, como “Segundas Intenções” (1999), um cult teen dos anos 90. Porém, centramos em dois filmes mais fiéis à obra original, lançados bem próximos um ao outro, com diferenças sutis e que fazem a diferença, que são “Ligações Perigosas” (1988), de Stephen Frears, que é a mais famosa adaptação audiovisual da obra literária, e “Valmont – Uma História de Seduções” (1989), do mestre Milos Forman, lançado um ano depois sem o mesmo alarde, mas sem deixar a qualidade cair perante ao primeiro.

Livro “As Ligações Perigosas”, de Pierre Choderlos de Laclos

Ambos são fiéis à mesma sinopse: a Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont passam seu tempo criando situações e artimanhas que envolvem a arte da sedução e a crueldade sentimental dentro da sociedade aristocrática da França no século XIX. Enquanto a Marquesa busca tirar a virgindade de uma jovem e casta prometida ao seu ex-amante antes do casamento, o Visconde tenta levar a Madame de Tourvel para a cama impulsionado por uma aposta feita com a Marquesa: caso consiga atingir o seu objetivo, o Visconde terá o direito de levar a própria Marquesa para a sua cama. Choderlos de Laclos era um soldado francês que teve esta obra relegada ao desconhecimento pela então Rainha Maria Antonieta, por expor e chocar a sociedade aristocrata de sua época, e não foi à toa. Os bastidores, sussurros e segredos que compõem a obra expõem e muito o tipo de sociedade fútil que a França tinha na época, e como aqueles nobres eram da pior espécie possível de seres humanos.

O filme “Ligações Perigosas” foi adaptado do texto da peça escrita por Christopher Hampton em cima do livro, roteirizada para o cinema pelo próprio, e com isso trouxe o melhor que o teatro pode oferecer à dramaturgia, que são os diálogos e os textos que compõem as várias correspondências trocadas entre seus personagens, enquanto que em “Valmont – Uma História de Seduções” foi uma adaptação direta do livro feita por um dos melhores roteiristas de cinema da história, o francês Jean-Claude Carriére, que conseguiu realizar uma narrativa mais contextual, sem maiores julgamentos morais a seus personagens, o que talvez seja a maior diferença entre estes dois filmes.

“Ligações Perigosas” (1989), de Stephen Frears

“Ligações Perigosas” busca fazer um estudo de personagens que fica expresso logo na primeira cena, que mostram o ritual da Marquesa de Merteuil (Glenn Close, em um de seus melhores papéis no cinema) e do Visconde de Valmont (John Malkovich) para compor suas aparências que são defendidas por eles a todo custo durante todo o filme, e a opção de fazê-los serem explicitamente próximos e com a devida tensão sexual é o coração da sua narrativa, com a desconstrução moral e de aparências da Marquesa em seus momentos finais do filme, e um aparente arrependimento de Valmont em seu leito de morte, determinando uma visão moralista daquele contexto, principalmente explorando um paralelo de seu destino com a Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), que falece doente.

“Valmont – Uma História de Seduções” (1989), de Milos Forman

Já em “Valmont – Uma História de Seduções”, existe um cuidado maior na composição dos personagens em ações dentro da própria narrativa, o que nos conecta mais na situações controversas feitas pela Marquesa (Annette Bening) e o Visconde (Colin Firth), principalmente no arco envolvendo a virgindade de Cecile de Volanges (Fairuza Balk), que é o eixo central deste filme, com a questão envolvendo o Visconde e a Madame de Tourvel (Meg Tilly) sendo uma situação central dentro do arco do Visconde de Valmont para determinar seu destino trágico, sendo esta paixão uma fraqueza explorada pela Marquesa de Meuteuil para manipulá-lo, num desfecho irônico com Cecile estando grávida de Valmont, e se casando como manda a sociedade aos olhos da nobreza.

Frears apostou muito na força do diálogo teatral de Hampton e no talento de seus atores para impulsionar sua excelente narrativa, enquanto Forman teve na parceria com Carriére a ilustração de uma época com detalhamentos mais literais e composição mais detalhada de todos os seus personagens, inclusive os menores como do Cavaleiro Danceny, ou da mãe de Cecile. Ambos são grandes filmes que merecem ser conhecidos pelo grande público, em cima de uma obra que fez seu nome na história retratando a França do século XIX