"Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" (2022), de Sam Raimi
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Votação do leitor 3 Votos
9.0

Onde: Cinemas (e logo mais na Disney+)

 

Pensa naquela banda que você adora. Um dia eles anunciam um show grande na sua cidade, você compra o ingresso feliz, se arruma, vai lá, está curtindo os sucessos, as pirotecnias, os músicos, mas aí eles decidem tocar várias músicas daquele álbum chato da discografia. Aquele que você gostaria de pular, mas ali na hora não dá. E tocam um bom tempo. Só que depois dessas canções, eles voltam para os hits e finalizam em grande estilo. A pergunta é: ao final do show, valeu a pena a experiência ou aqueles momentos que você não curtiu estragam tudo? Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é basicamente isso.

Após ver o futuro e sacar como derrotar Thanos, Stephen Strange foi lá, ajudou Peter Parker com o feitiço que deu errado e agora se vê as voltas com a chegada de America Chavez, uma menina que consegue viajar pelo Multiverso. O feiticeiro busca a ajuda de Wanda Maximoff, isolada do mundo desde os eventos de WandaVision, mas os planos dela são outros. Strange e America entram então em uma jornada através do Multiverso e a partir daí qualquer coisa pode estragar as surpresas que o filme pode trazer.

A verdade é que, continuando a alusão musical, o power trio de Doutor Estranho 2 é formado por: Benedict Cumberbatch, Elizabeth Olsen e o diretor Sam Raimi. Começando pelo mais fácil: Cumberbatch é um dos grandes acertos de elenco da Marvel (coisa que poucas vezes ela errou, diga-se). E em Multiverso da Loucura, o ator se mostra ainda mais confortável no papel. Sai o Stephen Strange-Tony Stark-wannabe do primeiro filme e fica o Strange mais próximo dos últimos Vingadores. Essa é a melhor versão do personagem. É fácil ver no herói de Cumberbatch alguém que domina os poderes, mas que veio de fora daquele meio, que ainda traz cacoetes da vida pré-Kamar-Taj. Além disso, o senso de humor de Strange e desse mundo que o envolve (a pior parte do primeiro filme) ganha equilíbrio, com diálogos e interações excelentes, principalmente com Wong.

Elizabeth Olsen ganhou da Marvel um dos melhores arcos de uma personagem nesses 14 anos de MCU. O caminho de Wanda desde A Era de Ultron, passando pela perda em Guerra Infinita e a tragédia envolvida em luto e ressentimento de WandaVision, tornam suas escolhas em Multiverso da Loucura mais próximas da humanidade do que da fantasia. Olsen acrescenta ainda um certo exagero na atuação, algo que aumenta o senso de perigo e a percepção de que essa Wanda está longe daquela que conhecíamos ao lado do Visão. Esse “a mais” na atuação faz lembrar as atrizes dos filmes dirigidos por Tim Burton, principalmente dos dois Batman.

Dito isso, vale o aviso: é imprescindível assistir WandaVision. Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é praticamente uma continuação direta da série. Muito mais do que de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. As duas obras se completam e tornam a primeira série da Marvel no Disney+ ainda melhor.

Completando o trio, o grande maestro do show é Sam Raimi. O diretor, responsável pela criação do que é o cinema de herói atual com seus Homem-Aranha (desculpa, Bryan Singer, mas é a verdade), volta ao gênero com uma liberdade criativa que deve encher alguns colegas de inveja. Aliás, Multiverso da Loucura e Sam Raimi parecem criados um para o outro. A estranheza do universo de Doutor Estranho, os monstros, feitiços, tudo tem a cara do diretor. E Raimi abraça essa estranheza com tudo o que tem. Tem zumbi, gente ensanguentada, que explode, cortada ao meio, possuída… é o filme de terror que foi prometido. Só faltou uma motosserra! É até difícil imaginar como a Marvel conseguiu convencer que classificassem o filme para apenas 14 anos nos EUA.

 

Strange não escapa do roteiro raso – conhecido nos filmes da MCU

 

Mas acima disso tudo, Multiverso da Loucura é um filme criativo visualmente, em montagem e na direção. É um filme de Sam Raimi de uma ponta a outra. A cena de ação na cidade, no início filme, grita Homem-Aranha 2. Raimi utiliza a magia de Strange de uma forma que ainda não havíamos visto, com agilidade e uma inventividade que o primeiro filme prometeu e não cumpriu. A câmera frenética que o diretor tanto ama serve para ação e a tensão na mesma proporção. Poucos filmes do MCU conseguiram trazer uma marca tão forte da direção quanto esse aqui.

Michael Waldron, também roteirista de Loki, erra nos mesmos lugares que errou na série. Uma história pode ser simples se contada da forma certa. O problema aqui é que ela não quer parecer simples, com todos os conceitos de Multiverso e variantes, mas que no final das contas só servem para inflar uma trama que se perde do básico. A teoria sobrepõe a trama. Se a história é uma corrida contra uma força maligna, ela precisa desenvolver o porquê, quem participa, as razões, desafios e consequências. Waldron se perde no meio da trama com a inserção de um fanservice gigante, com um monte de participações especiais, que entra na trama para dar um peso dramático ao protagonista, que não chega a lugar nenhum e se perde na cena seguinte. São praticamente 30 minutos de filme para atiçar os fóruns de fãs e que poderiam ser de mais multiversos ou mais loucuras. Seria muito melhor.

A Marvel já não precisa ter que ficar trabalhando todas essas ligações. Histórias simples e bem contadas são seus maiores trunfos atualmente, vide (quase todo) WandaVision ou mesmo a mais recente Cavaleiro da Lua, que foge de todas essas amarras e entrega um material sólido e fechado dentro do que se propõe.

No final das contas, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é um grande show de rock em que o talento da banda e toda a parte pirotécnica do palco salvam um setlist não muito inspirado, mas que começa e termina de forma arrebatadora.