Simone é uma estudante de direito que faz estágio na Procuradoria, cuidando de casos de violência contra a mulher. Em paralelo, ganha dinheiro se mostrando e performando sexualmente na internet, para webcam. Leva essa dupla jornada sob a crença de seu controle acerca do separatismo de ambos os universos.
Quando recebe um vídeo sadomasoquista, fica tentada a explorar este universo e, incentivada por seus seguidores voyeurs, embarca em experimentações que vão se intensificando com o tempo.
No início do filme, Julia Murat apresenta quase que de forma didática as personas de sua protagonista – primeiro a Simone inserida no universo acadêmico, através do qual se coloca de forma ferrenha na linha de frente, em prol da luta de classes e de gênero.
Em seguida, Simone em seu multiverso cibernético, no qual detém pleno e total controle, atuando sem regras, de forma ousada e livre.
Importante o estabelecimento de ambos os universos para compreensão da correlação entre eles. As discussões acadêmicas, recorrentes no decorrer do filme, mais do que para inserção do universo jurídico de Simone, servem também para explanação teórica do discurso normativo acerca da opressão de corpos e narrativas.
Dentro deste ambiente teórico são reverberadas provocações, discursos e propostas de mudança sobre um sistema jurídico protetivo notoriamente falho e desgastado.
Conforme Simone é confrontada pela violência proveniente da opressão sistêmica inerente à sua atuação jurídica, mais ela passa a ousar em seus experimentos sadomasoquistas, como forma compensatória do exercício de sua autonomia, adicionada a um auto flagelo punitivo, decorrente de sua impotência jurídica.
Cortes de cenas que oscilam entre depoimentos de abuso e violência e a auto imputação da violência por Simone reforçam essa narrativa, constantemente trabalhando a diretora o paradoxo entre o contraste e semelhança desses dois universos.
Simone, consumida pela crença de sua autonomia em face a um universo sadomasoquista, constantemente se coloca em posição de opressão e fragilidade, elementos combatidos por ela em seu universo jurídico.
Nesse sentido, a complexidade do roteiro se estende ao passo em que Julia Murat nos oferece a experimentação de uma posição análoga à de Simone em seu universo jurídico, qual seja, de impotentes observadores acerca de evitáveis opressões.
Em momento algum é mensurado qualquer juízo de valor quanto ao universo sadomasoquista em si – mas sim – quanto a utilização desregrada do mesmo para exorcização de questões pessoais.
Por fim, Julia Murat nos provoca de forma corajosa, inovadora, complexa e valente, a refletirmos acerca da violência e suas propagações – física, moral, psicológica, social, sexual – a que somos submetidos – consciente e/ou inconscientemente.
*O filme foi vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Locarno em 2022, e foi assistido durante a 46a. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Regra 34 | Teaser Oficial [HD] – 2022 | Imovision
Mais informações em: https://imovision.com.br/regra-34 Assista ao teaser oficial de “Regra 34”, de Júlia Murat. Estreia em breve, nos cinemas. “Regra 34” conta a história de Simone, uma jovem defensora pública que defende mulheres em casos de abuso, mas acaba se envolvendo em um mundo de violência e erotismo, por conta de seus próprios interesses sexuais.