Na atual conjuntura no cinema existe uma grande onda de remakes pelos cinemas e streamings do mundo, um movimento menos falado na indústria que as atuais polêmicas entre os filmes da Marvel e consagrados autores do cinema mundial como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, que envolvem mais políticas de distribuição dos filmes do que o cinema em si.

Alguns optam pelos mesmos caminhos, frame por frame, como por exemplo a versão americana de “Violência Gratuita” (filmada pelo mesmo diretor do original, Michael Haneke), ou o renegado “Psicose” de Gus Van Sant. Outros contam a mesma história em outro formato ou se utilizando de ferramentas de efeitos não existente da obra original, como o caso dos remakes recentes da Disney.

Um bom exemplo do que pode se trabalhar como remake (mesmo não sendo tecnicamente um remake) é o que o cineasta Pedro Almodóvar fez com o seu filme “A Pele que Habito”, onde usou como uma espécie de molde o clássico do terror francês “Olhos Sem Rosto”, de Georges Franju, essencialmente na obsessão de um talentoso cirurgião pelo poder de um Deus através da cirurgia plástica.

No filme francês, um renomado cirurgião simula a morte da filha desfigurada num acidente para poder se aproveitar da face de inocentes cobaias para implante em sua filha. Após sucessivas tentativas, a própria beneficiária acaba libertando a próxima cobaia, matando seu obcecado pai e deixando sua mansão em direção á floresta com sua bizarra máscara.

Já Almodóvar pega o eixo da busca obsessiva de um talentoso cirurgião por retornar algo que não tem volta – as mortes de sua esposa e filha, por suicídio – através do transplante facial e, posteriormente, através da transmutação estética de um homem em uma mulher com o rosto de sua falecida esposa, e realiza mais um drama psicológico do que o horror do material acessado.

Porém o cineasta espanhol vai além e acrescenta elementos fundamentais de sua filmografia e estilo cinematográfico, como questões envolvendo gênero (na figura do rapaz operado contra a vontade), sexo (eventos de estupro e a visceralidade do desejo sexual de personagens), as questões de paternidade e maternidade envolvendo seus protagonistas (o cirurgião é filho biológico de sua assistente), e as paletas quentes de sua fotografia.

Nesse tipo de abordagem, independente da qualidade de cada projeto, existe o aproveitamento de um material rico para fertilizar um outyro material, também de qualidade, buscando as mesmas ou mesmo propostas diferentes de cinema e narrativa, agregando bastante ao debate e á análise de cinemas distintos que conseguem conversar entre si através do talento de seus cineastas.

 

FICHAS TÉCNICAS:

OLHOS SEM ROSTO (Les yeux sans visage – 1960 – França – 90min)

Direção: Georges Franju

Roteiro: Pierre Boileau, Thomas Narcejac, Jean Redon e Claude Sautet, baseado em obra de Jean Redon

Elenco: Pierre Brasseur, Alida Valli, Juliette Mayniel, Alexandre Rignault, Beátrice Altariba

 

A PELE QUE HABITO (La Piel Que Habito – 2011 – Espanha – 125min)

Direção: Pedro Almodóvar

Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado em obra de Thierry Jonquet

Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Blanca Suárez