Quando terminei de assistir a Bela Vingança, a primeira coisa que me veio à cabeça foi de que eu tinha acabado de ver um Anti American Pie. Esse sentimento se concretiza quando o filme vai se aproximando do final, da situação que Cassandra (Carey Mulligan) vai enfrentar. E foi interessante perceber que essa ideia estava, de certa forma, correta. Deparei-me com diversos comentários de homens nas redes sociais dizendo que as situações do filme “não são bem assim” ou “nem todo homem é daquele jeito”. Ora, qual a diferença dos bizarros personagens do final de “Bela Vingança” e do Steven Stifler com seus companheiros? Aliás, Jennifer Coolidge, conhecida pelo seu papel de “mãe do Stifler”, está no aqui como a mãe da personagem principal.
O filme conta a história de Cassandra, uma jovem na casa dos 30 anos, traumatizada com uma tragédia do passado, que age como uma justiceira contra comportamentos tóxicos, misóginos e violentos dos homens. Contar mais que isso estraga a graça do filme, que conquista a atenção do espectador já na primeira cena. E há dois motivos para o sucesso de Bela Vingança: a estreante diretora Emerald Fennell e o talento de Carey Mulligan.
A diretora cria uma obra pop, que enche os olhos do espectador ao quebrar os padrões visuais esperados para uma trama com assuntos tão pesados assim. A trilha sonora é um dos pontos altos. Há uma versão de Toxic, da Britney Spears, que é incrível. O filme tem boa parte da sua trama ambientada durante o dia, com o sol muito presente e cores em tons pastéis nas roupas de Cassandra, na cafeteria em que trabalha e na casa dos pais dela. O contraste com esse mundo solar se dá apenas quando a personagem tem que imergir na noite, utilizando roupas mais escuras e maquiagem mais pesada. São representações visuais muito claras, que não tentam desviar a atenção do espectador do ponto principal: a vingança de Cassandra contra os personagens do seu passado.
Aí entra o show à parte de Carey Mulligan, atriz que em pouco tempo já foi indicada duas vezes ao Oscar, já ganhou dezenas de prêmios e participou de filmes como “Shame”, de Steve McQueen, “Inside Llewyn Davis”, dos Irmãos Coen, “Wildlife”, de Paul Dano e “O Grande Gatsby”, de Baz Luhrmann. Mas é em “Bela Vingança” que Mulligan comanda o show com os confrontos que Cassandra vai gerando, uma cena atrás da outra. Seja com a sua lista das caçadas durante a noite, seja com a família e conhecidos, mas, principalmente, com aqueles que são os responsáveis pelo seu trauma, a atriz consegue trabalhar de forma fantástica a fragilidade, a raiva, a decepção e a impulsividade na jornada de Cassie. A cena em que a personagem vai até a diretora da faculdade é incrível. Não me surpreenderia em nada se Mulligan vencesse o Oscar, superando o favoritismo de Viola Davis.
Bela Vingança sofre um pouco com a previsibilidade do roteiro, principalmente na questão amorosa de Cassandra, um arco que remete diretamente aos filmes de comédia romântica e seus roteiros formulaicos. Entretanto, e felizmente, a diretora e roteirista, não se deixa levar completamente por esses clichês quando a personagem chega ao seu conflito principal. Fennell cria uma das cenas mais impactantes e chocantes dos últimos anos. São alguns minutos em que a nossa principal reação é não querer olhar para a tela. Mas também é um dos momentos mais “reais” da trama. Uma triste realidade do dia a dia das mulheres em nossa sociedade.
E esse é o maior mérito do filme. Cassandra não é uma personagem única. Ela é uma soma de histórias que assistimos em jornais ou lemos em relatos de redes sociais. Ela é uma cápsula da realidade de milhões de mulheres. Muitas delas estão prontas para bater de volta nos Stiflers de suas vidas. Outras nem tanto. E pior ainda, muitas outras, não estão nem perto de conseguir isso. No final das contas, todas elas, de alguma forma, acabam sofrendo com as consequências. Até a Bela Vingança de Cassandra.