Jairo (Rômulo Braga), Irene (Maeve Jinkings) e Jean (Jean de Almeida Costa) formam uma família humilde que luta por sua sobrevivência através do trabalho em uma carvoaria que possuem em seu quintal. Um dia recebem uma proposta tentadora de melhoria financeira, mas para isso terão de tomar atitudes inomináveis.
A partir dessa situação decisiva, o filme debate a flexibilidade moral que desponta em meio a uma neblina de convenções sociais e religiosas, revelando a natureza humana em sua forma crua. A dicotomia acerca de sentimentos, vontades, atitudes, posições sociais, guia a análise do ser humano e suas motivações – justificáveis ou não – para tomada de determinadas atitudes.
A introdução de um “agente exterior” é o gatilho para que personagens socialmente condenadas ao silêncio e à inércia diante da extrema pobreza, se dispam de quaisquer amarras e despudoradamente revelem seus íntimos desejos. Diante da inversão de papéis sociais, Carolina Markowicz surpreende ao ampliar a narrativa, direcionando o foco para a exposição da complexidade humana, sem “mea culpa” quanto as ações das personagens. De certa forma, reduz todas as personagens a uma única condição: humana. Não há santo ou demônio, mas sim, o humano, que se molda para garantir sua sobrevivência, sob a égide de parâmetros pessoais. Ninguém é uma coisa só e/ou está livre de olhares julgadores – seja de si mesmo ou de outrem.
Assim, em um ambiente gerido por segredos e interesses, as personagens oscilam entre o desejo e a manutenção da conveniência, mas permanecem juntos porque precisam uns dos outros para sobreviver. Quem provoca os rompantes de realidade é o menino Jean, sagaz observador da dinâmica ao seu entorno, que através de inferências dotadas da sinceridade maravilhosamente crua de uma criança, obriga as personagens a encarar a concretude do cenário presente.
Aliás, o garoto merece destaque à parte. Jean de Almeida Costa foi selecionado entre as crianças de Joanópolis (local em que as gravações do longa foram realizadas) e, em meio a um elenco extremamente íntegro, afiado e temperado, pinta, borda e rouba as cenas, muitas vezes apenas com a sua presença.
Advinda de premiados curtas metragens (“Edifício Tatuapé Mahal” e “O Órfão”), a diretora Carolina Markowicz confirma ser uma realizadora inovadora e estimulante. Conduz a história com técnica, ritmo e segurança, mantendo a inquietação ‘atiçante’ da narrativa e faz da sua estreia em longas metragens um grande acontecimento. Seu olhar ativo, através de enquadramentos certeiros, consegue captar momentos de extrema intimidade e conexão com as personagens.
Por fim, faz uma análise provocativa sobre nós – seres humanos – e uma realidade pautada pela indiferença – sentimento com o qual já convivemos há tempos, mas que despontou gravemente com a pandemia do coronavírus – gerando uma reflexão acerca de comportamentos sócio-políticos em que qualquer semelhança, infelizmente não é mera coincidência.
Carvão – trailer oficial
No Description