Onde: Mubi
Para muitos esta obra de Mike Mills, produzida em 2021, permeia as listas de melhores do ano. Na minha, foi o vencedor. Fatalmente a A24 deveria ter investido mais em publicidade. Um deleite no conjunto fílmico, mas feito com poesia e frieza ao mesmo tempo. Realmente é possível tentarmos nos enxergar como o pequeno – e já muito experiente – Jesse, de 9 anos. A forma como Mills monta seu filme nos põe à prova se o que é emulado sobre tais reminiscências de nossa infância é assertivo e verdadeiro na mise-en-scène do diretor. E é. Não chega a ser niilista, como pode parecer, mas é intenso.
Mills proporciona um exercício de reflexão diferente aqui. Ele se aproxima do espectador ao se afastar dos personagens, despertando as nossas mais diversas memórias de infância de maneira tenra, mas também fria. E este afastamento exato se dá pelo leve caráter documental da obra. Aqui seguimos a relação leal, pura e verdadeira entre o jornalista de rádio – apaixonado pela profissão – Johnny e seu interessante sobrinho Jesse. Johnny realizava um grande trabalho de campo entrevistando diversas crianças sobre o futuro delas, suas expectativas e como o mundo seria; quando sua irmã, com quem ele não se relaciona faz muito tempo, o chama para cuidar de Jesse enquanto ela estivesse ausente.
Antes taciturno e animoso para com a irmã, o excelente personagem de Joaquin Phoenix (cômico aqui) aceita cuidar do sobrinho e embarca numa viagem de autoconhecimento, altruísmo familiar, contemplação existencial e resiliência. Contando, para a produção de resultado, com o cruzamento de diversas memórias espalhadas pelo tempo: as dele, as dos inocentes pequeninos entrevistados e as de seu experiente sobrinho. Fazendo ser único seu experimento de trabalho e de vida. É de fácil observação a frieza e frustração emocional de Johnny, devido à sobrecarga de responsabilidades que ele acumula, e talvez seja por isso que ele entrega o microfone às crianças das entrevistas esperando nada além de respostas simples, eivadas de inocência e esperanças. Assim são elas: livres e sem filtros.
Mike Mills, Johnny e Jesse
Mike Mills assina o texto aqui e sua dramaturgia provoca no espectador uma espécie autorreconhecimento para com nossas falhas de sempre, dando-nos uma chance correção, de poder desejar um futuro de coisas boas, mas com pé no chão. A suavidade dos tons preto e branco por toda a película emula todo tipo de reminiscência que tivemos, permitindo uma visita que pode ser um pouco incômoda. A dupla Jesse e Johnny está ali como nossos olhos. Sendo assim, estamos diante de uma relação ímpar, que vai tratar do abandono de pais, de disfunções familiares, experiências traumáticas, a capacidade de sofrer cargas pesadas e conseguir ainda assim seguir firmes em frente. Jesse é de fato um menino incomum e para esse destaque, o personagem de Joaquin Phoenix ensina o sobrinho a entrevistar as crianças, contrapondo as diversas facetas da infância.
Johnny não chega a ser um adulto destrutivo. Ao confrontar seu “eu” com o de seu sobrinho e também com o dos meninos entrevistados, podemos ver fio um de esperança crível nele. Algo oposto à sensação niilista que carregava consigo. Mike Mills assevera que por experiência de eventos de vida, um adulto, caso queira, consegue se proteger melhor em relação às suas duras frustrações, ao tentar ser mais cauteloso e não cravar suas expectativas como piamente certas. Isso coloca tal pessoa com o pé no chão. Já uma criança, por exemplo, está quase sempre vulnerável, pois confia cegamente que o plano destrinchado e esmiuçado por ela vai ser daquele jeito sempre e que aquilo fatalmente vai acontecer.
Jesse foge deste tal estereótipo por inteiro. E isso se apoia assertivamente na quantidade de experiências que aquele menino de pouca vida já teve. Chegando a provar sofrimentos, obstáculos, reveses, perturbações e transtornos de um adulto. As crianças de Mills, no entanto, mesmo menos intensas e multifacetadas que Jesse, são legítimas e nos servem de espelho para a nosso próprio retrovisor.
Aqui você pode experimentar uma carta de amor à família, amor à sinceridade de uma criança excêntrica que consegue guiar um adulto, despertando nele o melhor de um tio ausente. Recuperando assim um amor sem igual entre um tio, uma mãe e um sobrinho fantástico. Conversas legítimas e honestas entre dois parentes não tão diferentes, mas que esbanjam franqueza.