Onde: Cinemas
Existem cantores e bandas, que já não estão mais por aqui ou já encerraram a carreira, que muita gente daria tudo para poder assistir ao vivo uma única vez. Os Beatles, Bowie, Hendrix, Morrison, Tupac, Seixas, Tim Maia… a lista é gigante e, infelizmente, só tende a crescer. Elvis Presley é, sem dúvida nenhuma, um dos nomes que os fãs mais desejariam ter a oportunidade de ver novamente. Não à toa, todos os anos, milhares de pessoas se vestem como o cantor, participam de convenções e peregrinam até Graceland.
Baz Luhrmann sabe disso e cria em Elvis um espetáculo visual pouco visto em biografias musicais para o cinema. O gênero, que sofre com o formulaico, teve nos últimos anos um dos seus maiores sucessos comerciais com Bohemian Rhapsody e viu um boom de interesse por parte dos estúdios. Logo no ano seguinte tivemos Rocketman, com a história de Elton John e em breve teremos filmes sobre Whitney Houston e Madonna. Elvis, ainda bem, está mais próximo de Rocketman do que de Bohemian.
Luhrmann utiliza elementos de todas as suas produções anteriores para dar vida ao Rei do Rock: o lúdico teatral de Moulin Rouge, a mistura de gêneros da trilha de O Grande Gatsby, o frenesi cultural de Get Down e a inquietação de Romeu + Julieta. É uma combinação pop que tira o filme do bolo de filmes biográficos que se agarram no batido: o personagem talentoso que será contestado e vai provar seu valor, alcança sucesso, tem uma queda ou trauma e depois se recupera. Praticamente todos os filmes do gênero, os bons e os ruins, seguem essa cartilha.
Já de cara, o diretor coloca a história para ser contada pelo ponto de vista do Coronel Parker, empresário de Elvis, acusado de sabotar a carreira do cantor e de aplicar golpe na fortuna do astro. Parker é interpretado por um Tom Hanks coberto de próteses que mudam a fisionomia e o volume corporal do ator. A escolha de Hanks é um grande acerto do filme. Tendo algum outro intérprete, Parker seguiria apenas o clichê do personagem detestável. Entretanto, a memória afetiva que o espectador tem de Tom Hanks ao longo de todos esses anos, nunca nos deixa ultrapassar essa linha. Sentimos pena de Elvis, temos raiva de Parker, mas nunca detestamos o personagem até o final do filme. Luhrmann coloca assim, o público na mente de Presley.
O prazer inesgotável de Elvis
Quem também é responsável pelo sucesso do filme é Austin Butler. O ator, que passou por um longo processo de escolha, entrega uma grande atuação, principalmente se pensarmos que Elvis Presley é um dos artistas mais imitados do mundo até hoje. É esse conceito de imitação (que fez Rami Malek vencer um Oscar) que não encontramos no filme. O Elvis de Butler é uma atuação. O ator some dentro do mito de Presley, canta, dança, rebola, tem momentos dramáticos fortes e um carisma que enche a tela em cada uma das apresentações musicais do cantor.
Aliás, a recriação desses momentos é impecável e Luhrmann trabalha cada um de forma diferente. O primeiro é a explosão do Elvis como um símbolo sexual, algo que estremece não só a plateia, mas também a sociedade conservadora americana. Em outros momentos, vira uma forma de protesto, seja contra o sistema, contra Parker ou o controle sobre o artista. Já no primeiro show de Elvis em Las Vegas, e talvez a melhor cena do filme e uma das grandes da carreira de Baz Lurhmann, nos sentimos na plateia do Hotel Intercontinental vendo “o maior show da Terra”, como Parker chamava. O trabalho de edição e mixagem de som é impressionante, assim como a fotografia e os figurinos do filme.
O roteiro, escrito pelo diretor e mais três, acerta em cheio ao dividir os atos dos filmes em momentos da história dos Estados Unidos. O início da carreira e das conquistas de Elvis aparece como o florescer do pós-guerra, a busca dos norte-americanos pelo american way of life, as casa, os carros e os bens de consumo. Já a segunda parte caminha ao lado dos anos de lutas pelos Direitos Civis, a segregação, a explosão cultural da década de 60 e a perda da esperança com os assassinatos de Kennedy e Luther King. No terceiro ato, o fim da carreira de Elvis se mistura com a paranoia americana dos anos de Richard Nixon.
É uma decisão interessante, tendo em vista que Presley é um símbolo do rock e da cultura norte-americana, mas também é um produto cultural de “embranquecimento” do gênero musical, seguindo assim a agenda criada por J. Edgar Hoover e o governo para enfraquecer movimentos culturais de artistas afro americanos. Artistas esses que o filme deixa claro serem as grandes influências de Elvis, inclusive para versões do cantor. Acena na icônica Beale Street é um deleite para os apaixonados por música.
Se há um porém no filme, esse fator é a duração. As mais de 2h30 ficam cansativas, principalmente na parte final, quando a história passa a ser contada com uma visão mais clássica das biografias musicais.
Mesmo assim, Elvis é um dos melhores filmes já feitos para o gênero. Baz Luhrmann aproveita a liberdade criativa e financeira dada pela Warner para criar um exercício de exagero narrativo, que poucas vezes assistimos neste tipo de filme. Uma realidade fantástica e fantasiosa, como a que permeia toda a mítica em torno do cantor. É a superprodução merecida para o blockbuster arrasa-quarteirão que Elvis sempre foi.