"Eternos" (2021), de Chloe Zhao
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9.2

Onde: Cinemas

 

O desafio da Marvel, no cinema, para os próximos anos é gigante. Depois de conquistar o mundo ao longo de uma década e tornar parte da cultura popular personagens como Homem de Ferro, Thor, Capitão América, Homem Formiga, Doutor Estranho e Guardiões da Galáxia, que antes eram nichados para os fãs de quadrinho (e alguns até mesmo para nichos dentro dos fãs de HQs), o que fazer após um dos maiores (se não o maior) evento da história do cinema, com Vingadores: Ultimato?

O pós-Ultimato do Marvel Cinematic Universe parecia patinar dentro da sua própria fórmula. Filmes como Viúva Negra e Shang-Chi trouxeram muitas qualidades, porém erraram em momentos cruciais, servindo praticamente (Viúva totalmente) como um prequel de algo que está por vir. Nas séries, WandaVision começou com um frescor diferente, mas se embananou quando teve que fazer as ligações da Marvel. O mesmo com Falcão e o Soldado Invernal, Loki e What If. Essa última nem se fala. Talvez uma das maiores derrapadas do estúdio desde Homem de Ferro 2.

Eis então que finalmente estreia Eternos, filme dirigido pela vencedora do Oscar Chloe Zhao, que nunca havia feito algo desse porte, trazendo 10 personagens desconhecidos do grande público e com uma história que envolve seres sobre-humanos, que estão na terra há sete mil anos em uma trama cósmica. Tendo em vista o que assistimos ao longo de 2021, o filme estaria fadado a ser mais uma patinada. Porém, ele é um frescor dentro das últimas obras do estúdio. Um respiro de mais de duas horas e meia, com tempo para desenvolver a trama e principalmente trazer algo que se perde na linha de produção da Marvel: temática.

Os Eternos são seres enviado até a Terra para conter o avanço dos Deviantes. Depois da missão cumprida, devem aguardar o retorno para o seu planeta natal, Olympia. O grupo chega aqui na época da Mesopotâmia e permanecem entre os humanos até os dias atuais. Ou seja, a Marvel está contando uma história que até então pertencia aos trabalhos da DC: deuses superpoderosos entre os humanos. Zack Snyder tentou contar todo um arco do Super-Homem e da Liga da Justiça com essa temática nos últimos anos, porém, com a sua sensibilidade de um trator (muito bem fotografado, diga-se), não conseguiu sucesso. Já, Chloe Zhao acerta em trazer sensibilidade e humanidade para esses seres. A cena de Ikaris (Richard Madden) descendo do céu no contra-luz é idêntica ao Superman, porém, são os conflitos pós-ação que nos aproximam dele.

E isso funciona para todos os Eternos. Zhao toma pelo menos metade do filme para ir apresentando cada um deles, seus conflitos, medos, habilidades, seus lugares na Terra e ações que vão tomar com as consequências da trama. São esses conflitos e medos que tornam os deuses Eternos da Marvel humanos como os outros personagens do Estúdio. De acordo com as ordens dos Celestiais, figuras titânicas responsáveis pela missão dos Eternos, o grupo não pode se envolver em conflitos do planeta que não tenham participação dos Deviantes. Ou seja, seres superpoderosos, que ajudaram a humanidade a se desenvolver, devem olhar passivos diversas atrocidades e problemas do planeta.

Dois dos melhores personagens de Eternos são diretamente influenciados por essa ordem de passividade: Phastos (Brian Tyree Henry) e Druig (Barry Keoghan). O primeiro, um cientista e inventor, que sempre vislumbrou os avanços da humanidade, tem que lidar para o quão destrutivos somos. Já o segundo, com poder de controlar mentes, se vê atado por não poder interferir nessas atrocidades. Entre os outros, Kingo (Kumail Nanjiani) experimenta a fama e o poder de entreter as pessoas, Makkari (Lauren Ridloff) é fascinada pelo que produzimos e Gildamesh (Don Lee) é o brutamontes com coração, que cuida e acolhe. Sersi (Gemma Chan) e Ajak (Salma Hayek) têm que lidar com os finalmentes da missão dos Eternos dentro do nosso mundinho. E Sprite (Lia McHugh), bom, essa merece ser vista sem spoilers.

Uma das partes mais interessantes desses conflitos de Eternos poderia ser a do personagem de Angelina Jolie, Thena, que acaba sem um desenvolvimento bem estabelecido. Seria uma forma física de mostrar as falhas dos “deuses”. Entretanto, acaba sendo apenas um dispositivo para gerar mais um choque entre os personagens.

Eternos funciona como um filme sobre fé. Sobre a fé na humanidade, a fé na família, a fé em seres que podem fazer a diferença. O filme não escapa de maneirismos e marcas do Marvel Studios, como a comédia e cenas de ação grandiosas. Mas mesmo elas estão dentro dessa temática. Elas estão ali como parte da trama, parte da vivência dos personagens e não de momentos em que você para tudo para uma gracinha (sim, estou falando com você cena da capa de Doutor Estranho!).

E é essa vontade de fazer algo diferente que me dá esperança no futuro da Marvel no cinema. A gente sabe que o estúdio sabe criar grandes eventos, ninguém pode duvidar disso. A última cena de Eternos deixa isso bem claro. Mas a gente pode ter histórias grandiosas de personagens superpoderosos, deuses por assim dizer, que conseguem ter uma trama fechada, muitas vezes dentro apenas de um microcosmo, como uma ilha e um vulcão.

No final das contas, os deuses também invejam os humanos por pequenas coisas. Pelo simples fato de tropeçarmos e ralarmos o joelho. Pelo fato de vivermos um dia após o outro pensando que um dia o fim vai chegar. O fim do MCU está longe de acontecer e Eternos prova que existe muito gás para isso. Porém, nem tudo na Marvel precisa ser um Olimpo.