FOGARÉU (2022), de Flávia Neves
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8.1

Resquícios de colonialismo, memórias de um passado escravagista extremamente presente, coronelismo, indiferença à vida humana, preconceito, disparidade social, manipulação de massas. Apesar de se assemelharem, não são dados eleitorais mas sim, alguns dos elementos que compõem o caldeirão inflamatório do filme “Fogaréu”.

Longa de estreia da diretora Flávia Neves, o filme conta a história de Fernanda (Bárbara Colen), que retorna para Goiás, sua cidade natal, com o intuito de conhecer suas origens e jogar em um lago as cinzas de sua mãe adotiva recém falecida.

A trajetória de Fernanda é marcada pela contradição.

Apesar de pertencer à família mais poderosa e conservadora da cidade – a do Prefeito –  é tratada – entre sorrisos amarelos – como um elemento exótico, sendo questionada rapidamente acerca das razões de sua presença.

Sua mãe fora expulsa da cidade pelo próprio pai, que não admitia a homossexualidade da filha, de forma que Fernanda foi levada ainda quando criança, por isso, exceto pelo acervo factual e documental, não possui memória afetiva com o local. Ao entrar em contato com suas origens, toma consciência da gravidade do presente condenatório do qual foi poupada.

Dentre os assuntos já mencionados, o roteiro ainda alerta para a exploração de pessoas com deficiência neural – chamadas de “bobas” – que eram adotadas para a prestação de serviços domésticos, prática ainda remanescente em algumas regiões do estado.

O roteiro de Fogaréu é inspirado em fatos que permeiam a história pessoal da diretora Flávia Neves, originária de Goiás.  Sendo assim, o roteiro parte de um ponto interessante mas, talvez por se tratar de um material autobiográfico indissociável da diretora, a complexa e extensa lista de tópicos e sub-tópicos elencados por Flávia Neves acaba por se dispersar diante da falta de tempo hábil para o desenvolvimento de cada arco dramático, o que resulta em uma narrativa expositiva, desenvolvida em prol da denúncia.

Em meio a esse emaranhado de assuntos, a personagem central vivida por Bárbara Colen se assemelha a uma heroína afoita e sem estratégia que, diante de tantas questões, acaba optando pela tomada de atitudes sem sentido. Diferente do arco dramático da personagem Mocinha, vivida pela atriz Nena Inoue, que se desenvolve com certa constância e calma, o que permite com que a experiente atriz possa conduzir os melhores momentos da história.

A diretora se utiliza de metáforas – principalmente a do fogo – para a condução da narrativa. Nesse sentido, Fogaréu atinge seu objetivo, ao denunciar uma série de práticas e comportamentos históricos abomináveis e reincidentes, acendendo as chamas para alertar acerca dos perigos dos comportamentos cíclicos de nossa sociedade.

Fogaréu | Trailer | Berlinale 2022

The trailer for “Fogaréu” by Flávia Neves, starring Bárbara Colen, Nena Inoue, Eucir de Souza, Fernanda Vianna and Vilminha Chaves. About the film: After years of absence, Fernanda returns to her uncle’s ranch in Goiás in mid-western Brazil. Her appearance and her uncomfortable questions expose ableist and colonial structures and shake the façade of her bourgeois family.