Mindhunter – Segunda Temporada (Alexandre Almeida)
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Há alguns anos, a Netflix anunciou que seu plano era ter apenas produções originais da marca. Era um plano ousado, já que a plataforma de Streaming vinha construindo suas séries num ritmo calmo, com planejamento, procurando trazer uma qualidade de cinema e um formato de lançamento (todo os episódios disponíveis de uma vez), que balançou a forma de se consumir seriados. E sua primeira produção foi uma explosão de popularidade. House of Cards trazia o, até então, grande nome de Hollywood, Kevin Spacey e o diretor de Seven e Clube da Luta, David Fincher, em uma trama no centro da política norte-americana. Isso foi em, pasmem, 1 de fevereiro de 2013.

Ao longo desses sete anos, a Netflix se transformou em uma das maiores marcas do mundo, seja em dólares de valor, seja em apaixonados por suas séries e filmes. E são muitas produções. Tantas, que a qualidade antes elogiada começou a ser posta em xeque com produções que pareciam ser feitas na correria.

Entretanto, de acordo com informações divulgadas em junho, a Netflix decidiu voltar os olhos para a qualidade, pisando no freio dos lançamentos e buscando grandes nomes e apostas da indústria para seus projetos. E se a volta das críticas positivas já seriam um empurrão para isso, os três Oscars que Roma, de Alfonso Cuarón, levou esse ano parecem ter aberto ainda mais os olhos do CEO, Ted Sarandos. Em breve teremos nomes como Martin Scorsese (com The Irishman, ainda em 2019), Damien Chazelle (vencedor do Oscar por La La Land), Spike Lee (que esse ano venceu seu primeiro Oscar com Infiltrado na Klan), Joe e Anthony Russo, diretores da maior bilheteria de todos os tempos, Vingadores – Ultimato, Meryl Streep, Nicole Kidman, Zack Snyder, David Benioff e Dan Weiss, criadores da série de Game of Thrones e por aí vai.

Há muito o que se esperar para esse novo futuro da Netflix. Mas vamos ao que interessa e ao que já está disponível, a melhor série da marca, Mindhuter.

Mais Zodíaco e menos Seven

A primeira temporada de Mindhunter estreou há quase dois anos, em outubro de 2017, e trazia o nome de (sim, ele de novo) David Fincher na produção e direção de alguns episódios, e Charlize Theron, também como produra. A história mostra a criação do departamento de psicologia criminal do FBI. A série acompanha dois agentes procurando entender a mente de assassinos, com entrevistas em penitenciárias, criando perfis que auxiliam na resolução de assassinatos e a identificação dos, agora, chamados serial-killers.

Aliás, vale mencionar o currículo de Fincher aqui para entendermos um pouco do que ele traz para a série. O diretor começou trabalhando no mundo da música e dos videoclipes com nomes como Patty Smyth, Mark Knopfler, Madonna (dirigindo Vogue), George Michael (Freedom! ’90), Aerosmith (Janie’s Got a Gun), Iggy Pop, Billy Idol… e então teve a oportunidade de dirigir o terceiro filme da franquia Alien, que não alcançou o mesmo sucesso dos anteriores.
Após essa primeira incursão ao cinema, dirigiu o clipe de “Dangerous” do Michael Jackson e voltou para as telonas em uma filmografia de dar inveja com o aclamado Seven: Os Sete Pecados Capitais, seguido por Vidas em Jogo, o também aclamado Clube da Luta, O Quarto do Pânico, Zodíaco, os oscarizados O Curioso Caso de Benjamin Button e A Rede Social, além de Millenium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres e Garota Exemplar.

Olhando para esses trabalhos, conseguimos pegar um pouco da essência que o diretor traz para Mindhunter. A produção está mais para Zodíaco, um filme mais lento, de investigação e consequências da fixação pela descoberta do criminoso e a paranoia causada pelos assassinatos, do que para o thriller de Seven. A calma como a produção vai explorando a relação entre os agentes Holden e Ford com os assassinos, a criação do conceito de psicologia criminal e o questionamento da credibilidade do trabalho na época dão o tom de toda a primeira temporada.

No novo ano, Mindhunter extrapola o escritório e as alas das penitenciárias para mostrar crimes e consequências na sociedade americana. Esse retrato é mostrado em ao menos duas diferentes situações. Duas comunidades opostas social e culturalmente. Essas duas situações são costuradas com o melhor da série, os depoimentos baseados em assassinos reais, com uma caracterização impressionante (vale a buscar pelo nome dos criminosos no Google para comparar).

Assim como Zodíaco, e até o Os Homens que Não Amavam as Mulheres, a série se dá ao direito de não ser uma corrida desenfreada para solucionar o mistério, navegando entre diversas viagens dos agentes, relacionamentos, questões familiares e politicagens. Não é um ritmo fácil de acompanhar. É preciso paciência e interesse no que está sendo dito na tela.

Entre os destaques da segunda temporada vale comentarr o episódio 5, sim aquele que todos vão falar, que envolve o mistério em volta da figura de Charles Manson, o líder da seita que assassinou sete pessoas nos EUA, nos anos 60 (e que também está na mídia com o novo filme de Quentin Tarantino). A caracterização e atuação de Damon Herriman são fascinantes, assim como o questionamento de Manson de quem é o monstro verdadeiro. Ele que nunca matou ninguém, mas era o líder daqueles que fizeram? A sociedade que abandonou aquelas pessoas que foram parar na sua “família”? É a coroação dos depoimentos retratados na série. E o brilho da cena está dos dois lados da mesa, com Herriman e com a atuação de Jonathan Goff e Holt McCallany.

A história dos assassinatos e sumiço de crianças negras em Atlanta joga a luz em crimes ainda mais hediondos do que os cometidos por Ed Kemper e David Berkowitz: o preço pago pelos anos de abandono social. O abandono da polícia para as investigações durante anos, evidências cabais jogadas de lado pela falta de interesse público fora daquelas regiões, a politização da barbárie pensando votos e demagogias. O tempo dado pela série para explorar esses aspectos mostra ainda um cuidado em não retratar Holden e Bill como homens brancos vindo de fora da situação e sendo heróis imediatos, imaculados e dominantes do contexto. Os agentes não são perfeitos, metem os pés pelas mãos e contestam o valor e importância da própria investigação.

Mindhunter provoca ao contestar o valor do cidadão de bem. Seja o marido, trabalhador e assassino serial, BTK, seja o político que luta pelo social, vai à casa de uma mãe desesperada para dar suas condolências, mas que ao bater a porta da rua, pede o desmonte da investigação para não manchar a imagem da cidade que está em alta. Está no cidadão de bem diretor do FBI que apoia o novo departamento para uma sociedade melhor, mas que vira a cara para assédio.

Se a espinha dorsal da série são as investigações e a criação dos perfis dos assassinos, sua principal mensagem está ao redor. São os depoimentos de assassinos que batem com as atitudes da sociedade em geral. São monstros encarcerados, que pensam como engravatados, pais de família, o carteiro da sua rua. É a psicopatia da sociedade. Seja ela onde for. Basta ligar a televisão, o celular ou mesmo olhar para o lado.