O COLIBRI (Il Colibrì), de Francesca Archibugi
6.9Pontuação geral
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8.6

Uma visita inesperada pode mudar sua vida?

Qual a força de um agente externo versus à inércia humana?

São questões pontuadas em “O Colibri”, filme dirigido por Francesca Archibugi, baseado no romance de sucesso do autor italiano Sandro Veronesi.

Marco Carrera (Pierfrancesco Favino, do filme “O traidor”), um oftalmologista, recebe em seu consultório a visita do psicanalista de sua mulher, Daniele Carradori (Nanni Moretti, do filme “O quarto do filho”) que, contra seu próprio juramento profissional, passa a inquirir Marco acerca de fatos de sua vida, sob a justificativa de lhe alertar quanto ao iminente perigo que corre com relação ao estado de sua mulher. Assustado e acuado diante da perspectiva da situação, Marco supera sua relutância e começa a compartilhar fatos de sua vida.

A partir deste ponto, o filme adota uma estrutura fragmentada (que faz jus à narrativa do romance) que intercala passado, presente e futuro, costurando e construindo a narrativa lógica, sentimental e factual da vida de Marco através de fatos pontuais.

A trajetória do protagonista intercala fases de sua vida. Ainda adolescente, fruto de uma família burguesa italiana, fase pré-acontecimentos determinantes de sua vida, como a morte abrupta de sua irmã Irene e a interrupção do relacionamento com sua grande paixão adolescente, Luísa.

Já adulto, solteiro, tentando construir sua vida através de escolhas óbvias que resultam em um casamento falido e a esperança depositada na sobriedade lúdica de sua filha. E em sua velhice, lidando com as consequências das suas escolhas ou da falta delas.

Ainda que siga o padrão do livro e consiga, por fim, concluir seu objetivo narrativo, o filme se prejudica com a fragmentação proposta pela direção, que explora de forma superficial, até mesmo informativa por diversas vezes, as situações e suas reverberações psicológicas, fragilizando suas consequências e por fim, as ações do próprio protagonista.

Com o objetivo de manter o fluxo narrativo, também há a opção de se manter os mesmos atores – da vida adulta até a velhice – com o emprego de maquiagem para o processo de envelhecimento das personagens. Tal opção não se sustenta, reverberando de forma caricata e prejudicando o elenco neste sentido, ainda que os mesmos consigam performar a carga dramática essencial ao final catártico proposto pelo enredo.

Sendo assim, é um filme que se pauta na história, e no que diz respeito a esta, a qualidade do texto de Veronesi é inquestionável. A diretora consegue manter a fidelidade à história do autor, explorando questões que se presentificam, correlacionam e se conectam em um fio condutor: a inércia e a morte.

O filme constantemente questiona o existir, correlacionando o mesmo ao efetivo exercício da autonomia individual sobre nossas escolhas, pontuando que a sabedoria não necessariamente é adquirida com a experiência ou idade, mas sim, com o agir.

A inércia perante a demanda do existir está implícita na vida do protagonista, marcada por situações nostálgicas, do que poderia ter sido e não foi. Por isso Marco é o Colibri que dá título ao filme – um pássaro que passa sua vida se esforçando para se manter no mesmo lugar.

Em termos de cinematografia, interessante analisar como Veronesi consegue manter a chama de vários questionamentos acesa em contraponto com a jornada flat de seu protagonista, incapaz de concluir sua trajetória de transformação, ainda que de alguma forma se conscientize sobre a mesma.

Afora a inércia que permeia o protagonista, seu universo é colorido por diversas personagens extremamente complexas e opostas a ele – são agentes de extrema atividade. Quase como se a vida dele fosse tomada por um quadro de acontecimentos em que a força motora é sempre externa. Temos personagens construídas de forma complexa e sóbria, a exemplo da filha de Marco, que quando pequena institui que possui um fio imaginário ao seu redor que faz com que ela proteja os que a cerca, e portanto, não pode se afastar da parede para que o fio não seja cortado. A menina expressa de forma lúdica uma preocupação consistente diante da oscilação parental que presencia em casa.

É através desta série de detalhes que a trama propõe uma reflexão – sem respostas – sobre nosso agir (ou a falta dele) existencial e sua influência acerca de nossas vidas e dos que nos cercam.

O filme abriu o Festival de Locarno de 2022 e chega dia 13/04/2023 nos cinemas.

O Colibri

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