Ganhador do prêmio do júri no último Festival de Cannes, empatado com o brasileiro “Bacurau”, indicado a melhor filme internacional no Globo de Ouro e representante da França para o Oscar 2020, “Os Miseráveis” é uma espécie de releitura conceitual da obra homônima de Victor Hugo para os dias atuais da França.
Aqui vemos o policial Stéphane (Damien Bonnard), vindo do interior para a polícia de Paris, sendo introduzido à realidade dos guetos franceses através do policiamento junto com seus novos e corruptos colegas Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga), até o sumiço de um filhote de leão de circo desencadear diversas tensões na área.
Ladj Ly abusa do arrojo estético ao captar imagens e impõe um ritmo frenético impulsivo através da montagem e dos rápidos diálogos carregados das etnias diversas que se chocam ao longo da narrativa, tanto na comunidade como entre os próprios policiais, fazendo com o que o filme envolva o espectador dentro daquele espectro de violência e principalmente tensão.
Porém, ao abusar também de forma rasa de referências batidas de filmes do gênero como o francês “O Ódio” (1996), o americano “Dia de Treinamento” (2001) e o brasileiro “Cidade de Deus” (2002), e ao construir personagens clichês destes tipos de filmes e com relação às etnias envolvidas, o filme traz consigo um vazio comprometedor de idéias, apostando que a confusão dentro da trama ofusque a confusão conceitual do filme em si.
As referências mais próximas à obra homônima de Victor Hugo no filme são a área de onde o filme se passa, e o incidente que resulta na parte final do filme, que se caracteriza através de uma prisão injusta e uma vingança violenta subseqüente a este ato, com uma citação ao final que justifica com potência todo o contexto apresentado.
Podendo ser avaliado como uma importante atualização contextual do que vive a França hoje, “Os Miseráveis” é um filme que fica matutando com o espectador após a projeção, mas não como um tratado filosófico e social do país dentro da sociedade moderna, e sim como uma propaganda de marketing bem feita, o que exemplifica bem sua confusão estrutural enquanto narrativa cinematográfica.