TUDO O QUE VOCÊ PODIA SER, de Ricardo Alves Jr.
9Pontuação geral
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9.7

Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares.

Esse é o quarteto que se entrega de coração aberto para nos dar uma lição acerca daquilo que ainda não somos, mas que (espero) possamos vir a ser.

O filme acompanha a despedida de Aisha (Aisha Brunno), que está de mudança de Belo Horizonte para estudar Ciências Sociais em São Paulo. Em sua última noite na cidade, ela e seus amigues fazem uma despedida afetuosa, através da qual procuram fortalecer a conexão entre elus, antes que sigam caminhos diferentes.

A estrutura adota o segmento de documentário ficcional, uma vez que mescla momentos reais, como é o caso da cena (maravilhosa) da terapia de Bramma, com situações ficcionais propostas. Desta maneira, a narrativa se desenrola e desemboca de forma muito espontânea, com empatia e aceitação.

A narrativa coloca em pauta e desenvolve, de maneira efetiva e afetuosa – sem qualquer didatismo – pautas importantes como transfobia, HIV, homofobia, inserção e integração da comunidade LGBTQIAPN+ em uma sociedade extremamente preconceituosa.

Nesse sentido, o filme parte do micro para expressar a possibilidade de um macro. Explico. É a partir da individualidade de cada uma das personagens, com suas questões, emoções, inseguranças, medos, anseios, superações, etc, bem como, a receptividade e acolhimento da mesma dentro de seu círculo de confiança, que nos projeta a força de um coletivo.

A própria existência e aceitação plena das personagens – de si e entre si – já é, intrinsecamente, uma forma de resistência. Poder exercer o livre direito de existir como se entende, como se pretende, já é um ato político muito maior do que a heteronormatividade possa vir a compreender.

A narrativa reforça justamente esse ponto, sem contudo, fragilizar qualquer tipo de opressão inerente às personagens. O olhar é cuidadoso; ao invés do reforço do discurso opressivo como forma de crítica, “Tudo o que você podia ser”, nos apresenta um olhar de conforto, de aceitação, de inclusão. Temos personagens extremamente confortáveis dentro de suas existências; atuando em um campo fora da marginalidade, com interesses políticos e sociais latentes e com possibilidade iguais nesse sentido, com contemplação em bolsas de estudo e inserção no mercado de trabalho.

Estamos falando de personagens cuja existência e progresso são, por si, formas de inclusão e resistência política. O discurso homofóbico procura manipular e se justificar se escondendo através da moral e dos bons costumes da instituição familiar; enquanto que a comunidade LGBTQIAPN+ nos ensina, na vida real e na narrativa em análise, o real sentido de família – amor e acolhimento. Desta forma, amplia e valida novas possibilidades de estruturas familiares.

Após um período histórico de incitação do culto ao ódio e ao preconceito, é extremamente confortante e esperançoso poder presenciar uma narrativa que fala de empatia entre seres humanos, que fala do real sentido de coletividade. Tive oportunidade de assistir ao filme durante o Festival Mix e acompanhar o debate pós sessão. Os feedbacks de conforto, carinho e representatividade foram emocionantes.

“Tudo o que você podia ser” nos mostra a possibilidade concreta acerca do que podemos vir a ser – enquanto indivíduos, que, dentro de sua individualidade, realizaram e reafirmam diariamente um pacto de convívio coletivo em uma sociedade democrática. Enquanto o direito à autonomia existencial não estiver em prática em sua plenitude, é impossível que uma democracia se estabeleça de fato.

O filme avança nesse sentido ao nos mostrar também o que o cinema já é e pode cada vez mais ser, ao trazer novos olhares, novas propostas acerca de questões cujo debate se faz necessário e constante, ao utilizar o cinema como ferramenta social. E isso só se dá quando há generosidade de ambas as partes – obra e espectador. Generosidade neste caso é o que não falta.

O filme vem fazendo uma merecidíssima premiada trajetória pelos Festivais em que é exibido.

Filme que dá orgulho de ver, rever, e sair aquecide a cada sessão.

 

FICHA TÉCNICA:

Direção: Ricardo Alves Jr.

Roteiro: Germano Melo

Elenco: Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares

Participações especiais: Docy Moreira, Renata Rocha, Sitaram Custódio, Maria Rocha Custódio, ciber_org, Rafael Paiva, Rafa Goulart e Pedro Lanna

Direção de Fotografia: Ciro Thielmann

Produção: Julia Alves

Direção de Produção: Nina Bittencourt

Direção de arte: Luiza Palhares

Figurino:Luiza Palhares e Luiz Dias

Montagem:Lorena Ortiz

Som direto: Fabricio Lins