YUNGBLUD, "LIVE ON MARS" (Show)
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Se a geração Z algum dia precisar de um porta-voz, um show do cantor britânico Yungblud será mais do que suficiente para provar que ele seria o candidato ideal. Após meses de confinamento que o levaram a lançar seu segundo álbum no meio de uma pandemia, o roqueiro colocou toda a sua energia acumulada nas dezenas de performance pelo Reino Unido que culminaram em sua maior apresentação até o momento, para um público de 10 mil pessoas que esgotaram os ingressos no Alexandra Palace, uma casa de eventos incrível no topo de um parque no Norte de Londres – com direito a uma vista da cidade de tirar o fôlego.

 

E por falar em fôlego, isso foi o que não faltou ao músico de 24 anos cheio de atitude e visual rebelde capaz de arrastar uma multidão de jovens, em sua maioria com visual emo e grunge. Começando com “Strawberry Lipstick”, segundo single do seu álbum mais recente, “Weird!”, ele tomou o palco com muitos pulos, gritos e efeitos especiais. O setlist então continuou com “Parents”, cuja letra inclui o verso ‘meu pai apontou uma arma para a minha cabeça e disse que se eu beijasse um garoto, ele me daria um tiro, então o amarrei com fita isolante no celeiro, fui no quintal e transei com meu melhor amigo’. Um claro indicativo da persona que ele pretende ser, cujo nome artístico é uma espécie de versão fonética de “sangue jovem”, e uma mensagem explícita ao público que ele pretende atingir – adolescentes e Millenials que sonham em se rebelar contra uma sociedade injusta e preconceituosa, com direito a muitos palavrões e um momento em que ele comanda seus fãs a mostrar o dedo do meio para quem quer que um dia os tenha ofendido.

 

O comando do palco é de longe sua maior qualidade ao vivo – é impressionante como alguém com pouca experiência de se apresentar para tanta gente já se sinta tão à vontade como um verdadeiro astro de rock. Ele dança, rebola e interage o tempo todo com a audiência. As habilidades vocais, porém, ficam comprometidas – com faixas musicais auxiliando bastante o músico e a banda renegada ao fundo do palco, com exceção do guitarrista, que toma o espaço central diversas vezes e recebe um baita beijo na boca do cantor bem no começo da apresentação.

 

O beijo marca o tom igualitário que Yungblud mantém durante todo o show. O cantor já declarou em diversas entrevistas que se considera panssexual, aberto a ter relações com quem quer que seja, e seus figurinos misturam aspectos considerados masculinos e femininos – com saias, espartilhos, coturnos, camuflagem, entre outras coisas, normalmente misturados. Um reflexo de uma geração que tenta abolir estereótipos associados a gênero e de sua base de fãs, em grande parte representantes da comunidade LGBTQ+, o que garantiu a ele diversas reportagens em publicações direcionadas a esse público. Fica bem evidente como ele veste com orgulho e se sente confortável com o rótulo queer, ampliando as vozes a favor da liberdade e contra o preconceito. Ao cantar “Mars”, uma música escrita sobre uma fã transgênero que ele conheceu (e que faz alusão ao clássico de David Bowie ‘Life on Mars’, que Yungblud cantou em um tributo ao falecido cantor e que intitula a turnê), ele sacode a bandeira trans no palco e chama um fã orgulhoso que revela que acabou de terminar a redução para retirada dos seios, sob uma onda de aplausos entusiasmados. Certamente um dos momentos mais emocionantes do show, que arrepia não só os fãs mas também os pais e mães dos mais jovens ali presentes.

 

E essa não é a única demonstração de carinho em relação a quem o acompanha – após 3 músicas, o artista parou o show até que os seguranças pudessem acudir uma fã que passava mal, e fez com que o público prometesse que se alguém caísse, quem estivesse perto o levantaria. Mais tarde, durante ‘Love Song’, ele engasga no verso final e começa a chorar, impressionado ao ver 10 mil pessoas cantando uma música escrita por ele. E começa então a apontar para cada um na frente do palco, repetindo “I love you”, “I love you”, “I fucking love you”, inspirando uma multidão de berros emocionados e mostrando mais uma vez sua habilidade em comandar o espetáculo. Um momento perfeito após uma música sobre amar a si mesmo e parte do diálogo que ele estabelece com sua arte para falar de ansiedade e depressão em um momento mundial mais do que apropriado.

 

No bis, ele se cerca de chamas e senta no piano – são nas baladas que sua voz rouca e talento musical ficam mais evidentes, permitindo que ele respire e foque nas palavras cantadas. É um contraste à energia caótica das músicas mais agitadas, que ele espertamente deixa na voz dos fãs ao apontar o microfone diversas vezes durante cada música. O pico de energia vem em “Fleabag”, sua música mais recente que não faz parte de nenhum álbum já lançado. Ela é cantada bem no meio da apresentação e traz um ritmo mais pesado em comparação a algumas faixas mais pop já lançadas por alguém que transita no punk rock de Bring Me The Horizon a Avril Lavigne (e ele já cantou com ambos).

 

Se Yungblud vai conseguir levar seu relativo nicho ao mainstream ou continuar como um dos poucos roqueiros que representa abertamente a diversidade sexual e de gênero, é difícil dizer. Mas a julgar pelo espetáculo comandado no que ele chamou de “o melhor dia da sua vida”, ambição é o que não falta.