As Spice Girls marcaram uma geração. Goste ou não da banda, essa é uma verdade incontestável sobre um grupo de 5 mulheres que vendeu mais de 85 milhões de discos no mundo todo e arrasta multidões para estádios mais de 20 anos depois do lançamento do primeiro single, ‘Wannabe’. E com isso em mente, elas magistralmente produzem um espetáculo exatamente como esperado, resgatando toda a nostalgia dos anos 90 em um esforço para deixar os fãs extremamente satisfeitos.
O show começa com “Spice Up Your Life”, primeiro hit do segundo álbum, em uma versão modificada para impactar o início do espetáculo, com as quatro cantoras (já que a quinta integrante, Victoria Beckham, decidiu não participar) surgindo em uma plataforma circular de frente para o público e de costas para a área Premium. A plateia vai facilmente ao delírio e elas prosseguem para as próximas músicas enquanto caminham entre as plataformas e o palco principal. No momento em que chegam em ‘Wannabe’, o maior hit e por isso a última música a ser cantada, a energia continua forte, embalada pelas danças, cantoria e pulseiras eletrônica pulsantes na audiência.
Tudo que se espera de um show de música pop está lá: as constantes trocas de figurinos, chuva de papel picado, efeitos no telão. A energia é altíssima e elas compensam o fato de já não conseguirem dançar como no início da carreira com a presença de quatro grupos de dançarinos excepcionais, cada um representando a “casa” de uma Spice Girl. A função deles é clara: puxar o público, entreter e disfarçar um pouco a falta de movimentos mais elaborados da banda, o que funciona perfeitamente para que elas possam se preocupar em entregar o que todos querem ver. Mel C e Mel B, as mais atléticas, arriscam um pouco mais nas coreografias, mas Emma e Geri preferem se movimentar graciosamente enquanto suas trupes fazem o trabalho corporal.
A setlist volta às origens das primeiras turnê das Spice Girls, com todos os hits mais conhecidos e algumas das músicas preferidas dos fãs nos 2 primeiros álbuns da banda. Do terceiro, ‘Forever’, ficaram só os 3 hits de sucesso da época em que Geri não estava na banda – e agora ela se junta às outras substituindo os vocais que eram de Victoria. Apesar do desejo dos fãs de que elas voltem a gravar em estúdio e produzir material novo, tudo funciona bem sem os momentos às vezes entediantes dos grupos que voltam e tentar promover músicas novas de pouco sucesso. Os figurinos também remetem aos anos 90 mas em versões atualizadas, trazendo as memórias dos fãs à tona imediatamente, ainda que só tenham assistido nas fitas VHS lançadas por elas. Funciona bem melhor do que as roupas elegantes criadas por Roberto Cavalli para a última turnê delas, em 2007, que tirava parte da personalidade que fez a banda tão popular.
Os músicos no palco fazem um ótimo trabalho para acompanhar os vocais ao vivo, sem playback, das quatro. Não são vocais extremamente fortes mas seguram bem o show e não desafinam, apesar das claras diferenças entre as quatro – Mel C é de longe a melhor cantora, até pelo fato de ser a única com uma carreira solo ativa, seguida por Emma, Mel B e Geri. Aliás, a Ginger Spice é provavelmente a maior dissonância do reencontro musical – apesar de ser uma das maiores entusiastas do retorno e de ser a mais atrevida e divertida quando as Spice Girls surgiram nos anos 90, ela agora toma o lugar de Victoria como a integrante mais elegante, com movimentos contidos e quase deslocados em alguns momentos e até tomando chá no palco em uma xícara com a icônica bandeira do Reino Unido. Posh Spice parece estar lá mas a ruiva que saltava e seduzia o pública só aparece nos homens e mulheres fantasiados para a ocasião.
O clima mais que contagiante das duas horas de show é muito guiado por tudo aquilo que as Spice Girls sempre venderam como verdade: a amizade entre elas e a diversão genuína no palco. É bem claro que elas estão se divertindo tanto quanto o público e é isso que faz ser uma noite tão especial. Em um vídeo exibido quase no fim do show, elas fazem declarações de amor a elas próprias, o que funciona como declaração aos fãs também, especialmente os que esperaram décadas para vê-las ao vivo. Não é um espetáculo no nível de Lady Gaga ou Beyoncé, mas é exatamente o que que se propõe: uma homenagem à maior girl band da história feita pela própria banda, cuidadosamente preparada para reafirmar a força do grupo e sua maior qualidade. Quem disse que não existe um jeito de viajar no tempo?