Quando estourou com o primeiro álbum, em 2008, Lady Gaga foi imediatamente comparada a Madonna. Parecia mais uma popstar em busca de sucesso com letras fáceis de serem cantadas, melodias dançantes e clipes provocantes. Ela disputava espaço nas rádios e cultura pop com nomes já estabelecidos alguns anos antes – Britney Spears, Christina Aguilera, Beyoncé – e outras novatas como ela – Katy Perry, Rihanna. O sucesso estrondoso de Poker Face a colocou no mapa mundial, mas não era o suficiente para dizer se ela conseguiria se firmar como nome forte da cultura pop ou se desapareceria entre tantos nomes de sucesso passageiro.
O marketing bem construído que incluía os figurinos mais bizarros possíveis (quem se esquece do vestido de carne crua no VMA da MTV?) ajudou a popularizar o nome e a figura misteriosa de Lady Gaga, mas não seria o suficiente para garantir o lugar o sol. Foi o talento musical como hitmaker, a inteligência profissional e a seriedade com que ela leva o próprio trabalho que fizeram com que ela se tornasse o que é hoje. 12 anos depois do primeiro lançamento, Gaga lança Chromatica, seu sexto álbum de estúdio e o primeiro em 7 anos a focar novamente no ritmo dançante e estilo pop que a consagraram.
Assim como a cantora, Chromatica é um evento. Mais do que uma compilação de músicas fáceis, o álbum traz um fluxo calculado e claramente dividido em 3 partes com faixas instrumentais curtas que marcam a separação de cada bloco e um dueto espetacular em cada uma dessas partes. A introdução de cada pedaço torna o álbum ainda mais dramático, e reforça a ideia de que funcionaria muito bem como um álbum visual – as músicas de Lady Gaga têm uma capacidade interessante de produzir imagens mentais que acompanham a mistura de elementos que ela coloca em cada faixa.
Ao contrário de outras artistas que recebem as músicas prontas e inserem suas vozes e pouca personalidade, os álbuns de Gaga são pessoais e viscerais. Se no anterior, Joanne, ela se despediu da persona que inventou para si própria e exibiu toda a forma artística de Stepfani Germanotta, a mulher real por trás de Gaga, ao escrever sobre amor e família, nessa ela retoma a personagem excêntrica e alienígena com a pista de dança em mente. A intenção fica clara desde o primeiro single, Stupid Love, até a última canção: ela quer passar uma energia que impeça a pessoa ouvindo de ficar parada. É um álbum feito para movimentar.
A primeira parte, que começa com a fraquinha Alice e termina com Fun Tonight, é a mais “tradicional” e remete ao começo de tudo – são canções dançantes e divertidas, com vocais fáceis e a participação da mega popstar Ariana Grande na faixa Rain on Me, o segundo single que, claro, alcançou o primeiro lugar da Billboard. Gaga não é estranha às colaborações de peso – um dos maiores sucessos da cantora, Telephone, trouxe Beyoncé para o universo maluco e cheio de referências da nova-iorquina. O tema das 6 músicas é o amor e emancipação após o término de um relacionamento, funcionando como introdução perfeita para o que vem a seguir.
A segunda parte nos leva ao universo provocante de pessoa que se libertou do sofrimento e está solta no mundo à procura de paixão. São quatro músicas, começando com 911, seguida de Plastic Doll, que anuncia que ela, apesar do título, não é a sua boneca para vestir e desmontar quanto quiser. Mas é a faixa seguinte um dos grandes trunfos: apesar de o nome de Ariana Grande ter sido o grande carro-chefe para o lançamento, Gaga majestosamente liberou Sour Candy no YouTube um dia antes do lançamento do álbum completo. A música, que mistura vocais em inglês e coreano, traz a participação de Blackpink, uma girlband que se tornou um dos principais nomes emergentes do k-pop, o fenômeno de bandas coreanas que tomou conta de muitos adolescentes ao redor do mundo, mostrando que ela sabe bem o jogo em que está inserida.
Após duas outras músicas que seguem o estilo e mantém o fluxo, a introdução dramática passa o álbum para a terceira parte, que começa com Sine From Above, uma balada dançante absolutamente poderosa, relevando só no meio da música a familiar voz de quem ela escolheu para o dueto – ninguém menos que Elton John. A música por si só carrega todo o poder dos dois nomes e transporta quem a escuta para um estádio lotado onde os dois gigantes da música pop cantam lado a lado com seus pianos e um show de luzes de arrepiar. E assim Chromatica segue com as outras 3 músicas que encerram o evento com o poder de quem sabe o que está fazendo.
Ela encerra o álbum muito bem com a intrigante Babylon, que em apenas 2 minutos e 41 segundos faz uma viagem que começa com Artpop, o álbum menos aclamado da artista, e de repente vira uma versão atualizada de Vogue, o sucesso inesquecível da rainha do pop (e ex-inimiga de Gaga) Madonna, para então voltar aos tempos de The Fame Monster, até hoje o melhor álbum dela – com referências de monstros e efeitos inspiradíssimos nas músicas que cativaram a legião de fãs que seguem a “Mother Monster” até hoje.
Chromatica é, portanto, uma viagem interplanetária dentro da mente de uma das artistas mais interessantes, ecléticas e apaixonadas da atualidade. Traz os tipos de música que quanto mais se escuta, mais se gosta, e prontas para produzir danças e coreografias sem medo de ser feliz. Mas também peca pela praticidade de perseguir objetivos muito específicos e atender a um clamor do público. Ao resgatar a caricatura que criou de si mesma, Lady Gaga parece fazer de tudo para agradar àqueles que a transformaram em ídolo, mas deixa de fora a inovação experimental do começo da carreira.
A maior surpresa de Chromatica, é, porém, a ausência de surpresas. Falta a batida arrebatadora da já mencionada Telephone, a atmosfera cinematográfica de músicas do mini-álbum The Fame Monster como Monster in the Dark, a letra icônica e transgressora de Born This Way ou a genialidade psicodélica do que é possivelmente sua melhor música até hoje, Bad Romance, um hino que traz uma cantora se divertindo com auto-referências e vocais em francês ao se conectar com cada um que se atira ao chão (metaforicamente ou não) ao escutá-la.
É um ótimo retorno de Lady Gaga à forma dançante, após provar toda a sua versatilidade e talento inegáveis, e uma boa resposta ao decepcionante álbum que quase a derrubou para fora do círculo restrito de cantoras pop bem-sucedidas. Chromatica empolga e diverte, só não satisfaz àqueles que conhecem todo o potencial dela – e deixa um gosto de “quero mais”.