Em meio a uma pandemia viral e a efervescência das questões envolvendo racismo principalmente nos EUA envolvendo o movimento #BlackLivesMatter , Spike Lee lança sem as merecidas homenagens mas com o alcance merecido frente ao contexto atual o seu novo filme, “Destacamento Blood”.
Os personagens que nos conduzem na narrativa são cinco veteranos negros da Guerra do Vietnã, componentes de um destacamento na época e hoje amigos, que retornam ao Vietnam atrás de um carregamento de ouro achado na época da guerra e dos restos mortais de seu companheiro e líder de pelotão.
Porém, Spike Lee constrói uma unidade dramática por trás desta premissa para ilustrar a história do movimento negro dos EUA, o que fica destacado principalmente na introdução e encerramento serem através de falas substantivas de Martin Luther King registradas momentos antes de seu assassinato.
Sendo assim, a interessante composição destes veteranos, cada um com seus desdobramentos de vida expostos ao longo da jornada pelo ouro e pelos restos do amigo morto em combate, é um interessante mosaico do que pode ser hoje a realidade negra nos Estados Unidos. Do veterano que se tornou empreendedor e viu o sistema lhe tirar tudo o que conquistou, ao transtornado e amargo ex-soldado que ostenta orgulhosamente um boné de campanha de Trump ao mesmo tempo que declama poderosas palavras de resistência negra que o isolam num radicalismo quase poético.
Lee controla toda essa articulação complexa de idéias com muita sabedoria, incluindo o jogo com os aspect ratios adotados a cada fase da narrativa, seja para criar um momento semi-documental, seja para criar um enquadramento metafórico com o uso da linguagem cinematográfica, principalmente após o cumprimento da missão dos personagens, na metade do filme.
A outra metade nos esclarece do que realmente o filme se trata, e sendo Spike Lee um cineasta que trabalha muito bem a linguagem cinematográfica para nos conduzir em terrenos étnicos e sociais ao longo de sua filmografia, o filme cresce bastante quando nos conduz para o que realmente é a busca do ouro para os negros, e do respeito ao legado da luta eterna deles, através dos restos de seu admirado colega, líder da consciência daqueles veteranos.
Se o ouro é uma busca materialista nos discursos introdutórios, ele passa a ser uma representação da ideologia quando se percebe que a guerra para os negros nunca acaba, e que vale dialogar com outros segmentos para o fortalecimento da causa deles. O ouro da ideologia servindo aos interesses de resistência à injustiça racial – e brilhantemente o isolamento do mais radical dos veteranos demonstra perfeitamente do que se trata um movimento enquanto resistência, a que serve o extremismo e como ele aproxima as causas justas da própria ideologia do opressor.
“Destacamento Blood” talvez seja o auge de um cinema mais sábio e reflexivo de Spike Lee, sem perder o teor da militância de fazer a coisa certa a favor de sua causa, um olhar sobre o que representa hoje a resistência negra no mundo caótico que vivemos, que não deixa de ser uma nova guerra que para os negros nunca terminou, o que faz do filme um acerto enorme para ganhar vida nesse mundo que vivemos hoje.