A documentarista e escritora chilena, Maite Alberdi, nos apresenta uma obra fantástica. Ela transita da comédia ao drama com uma segurança incrível. Soube filmar – com zelo e ternura – um tema de discussões complexas. A obra, mesmo sendo uma comédia original, assume um tom forte e se mostra urgente e extremamente necessária.
A trama é inclusiva: uma agência de detetives precisa contratar um idoso aposentado que tenha entre 80 e 90 anos a fim de investigar se um asilo possui maus tratos e condições precárias. A cliente que busca a agência se mantém em sigilo (obviamente). Sergio Chamy (ele mesmo) é o selecionado. O primeiro ato é uma espécie de deleite da confusão cômica que a combinação idoso e tecnologia pode oferecer.
Mas já neste primeiro ato vemos uma proposta clara de discussão da mis-en-scène: o idoso é excluído da introdução à tecnologia. A simples tarefa de tirar uma foto ou fazer uma ligação leva riso ao público. Na sua maioria, o descaso acontece em casa. Parentes mais jovens não possuem a menor paciência ou não dispensam um tempo – carinhoso – com seu idoso para lhe ensinar como lidar com os botões de um celular. É tão gritante que cheguei a me ver dentro da discussão proposta.
Num flagrante de como poderia se apresentar uma falta de cuidado num lar de idosos, Alberdi produz o documentário, porém sem que a direção do asilo soubesse que o personagem principal Sergio Chamy era de fato um detetive disfarçado. O ótimo “Agente duplo” vai ser o representante chileno a uma vaga no Oscar de 2021 (melhor filme internacional).
São mais de 300 horas filmadas dentro do asilo na cidade de Santiago. Com isso, conseguimos ver o detetive Chamy fazendo seu trabalho em busca da averiguação de um possível mau trato. Em meio ao processo, ele se torna família, amigo, um ouvinte, um sujeito de risos, um escape esperançoso ao espectador. Emocionante.
A obra nos propõe pensarmos com maior cuidado em nossos idosos, por mais que possa nos faltar tempo. Para eles (conosco) não faltou. Muitas vezes, a alegria deles é representada em nos ter por perto. Apenas esta proximidade é o bastante. E o fato do descaso, muito bem abordado ali, mesmo que suavemente, representa um abismo de tristeza. A desumanidade – como bem observado – urge e permeia a sociedade de maneira geral e não apenas algumas condições precárias de certos lares de idosos, o que não foi o caso do lar citado na obra.