Onde: Teatro Piccadilly Theatre, em Londres
Baseada no filme homônimo dirigido por Baz Luhrmann em 2001, a adaptação teatral “Moulin Rouge!” finalmente chega aos teatros do West End em Londres em Janeiro, após um sucesso estrondoso na Broadway e uma extensa lista de prêmios no Tony Awards, o Oscar do teatro norteamericano. E com razão – a versão dos palcos captura a essência cinematográfica e envolve o público do começo ao fim.
Os produtores não mediram esforços – o teatro (nesse caso, o Piccadilly Theatre, no centro da capital inglesa) foi transformado no próprio Moulin Rouge, cabaré icônico localizado no bairro boêmio Montmartre, em Paris, que também aparece em uma das muitas mudanças no cenário executadas com perfeição. Cortinas vermelhas, uma estátua gigante de um elefante e toda a ambientação associada ao tal moinho vermelho recebem cada espectador. As primeiras fileiras ficam separadas do resto e incluem pequenas mesas e luminárias, tornando-se parte da encenação, com passarelas ligadas ao palco que permitem que o elenco interaja com os espectadores que decidam gastar muitas libras extras para sentar ali. A atmosfera também é visível desde a chegada, com parte dos personagens aguardando prontamente em poses e figurinos sensuais até o sinal de que podem começar.
No Moulin Rouge dos palcos, tudo é muito intenso desde o princípio – grande parte dos personagens invade o cenário com um can-can animado e poderoso e 4 atores entoando a inesquecível versão de “Lady Marmalade” feita para o filme (originalmente nas vozes de Christina Aguilera, Pink, Mya, Lil’ Kim e Missy Elliot) mas lançada apenas como divulgação, já que na versão cinematográfica ela dura meros segundos da sequência original. Dessa vez, espectadores aproveitam uma redenção espetacular da canção inteira.
Logo após a abertura de tirar o fôlego, é a vez de Satine – a protagonista – dar o ar de sua graça com um medley de “Diamonds are Forever” (trilha do filme do 007 com o mesmo nome, cantada originalmente por Shirley Bassey), “Diamonds are a Girl’s Best Friend” (Marilyn Monroe), “Material Girl” (Madonna) e… “Single Ladies”. A adição do hit cantado por Beyoncé ficou um fora de lugar, mas o número ainda assim foi satisfatório.
Em Montmartre
No lugar de Nicole Kidman, a atriz Liisi LaFontaine dá vida à cortesã. Ela começa um pouco tímida, mas convence o público de seu talento com a redenção de “Fireworks”, originalmente cantada por Katy Perry. A música também não fazia parte do filme, mas nesse caso funciona perfeitamente para a personagem e a voz poderosa da talentosa atriz é o suficiente para convencer o público. O mesmo não pode se dizer de Jamie Bogyo, ator que interpreta Christian, o jovem poeta que se apaixona por Satine apesar dos avisos de que nunca deveria se envolver romanticamente com uma prostituta. Bogyo é esforçado mas, em seu primeiro trabalho profissional, mostra que ainda não estava preparado para começar a carreira em um papel de tanto destaque. O sotaque americano é terrivelmente falso e irritante e falta química com seu par romântico. Ele é afinado e tem bons momentos, mas é definitivamente um ponto fraco na peça.
O resto do elenco, porém, não decepciona – e traz um grande sopro de diversidade, uma das poucas coisas que faltavam na versão de Hollywood. Nessa montagem, assim como na Broadway, atrizes e atores negros levam papeis de destaque (inclusive LaFontaine) e há uma celebração dos mais diferentes gêneros e orientações sexuais. Clive Carter brilha como um dos melhores integrantes do elenco no papel de Harold Zigler, o dono do Moulin Rouge, e tanto Jason Pennycooke quanto Elia Lo Tauro estão excelentes como Toulouse-Lautrec e Santiago, respectivamente.
Como todo bom musical, a trilha sonora é, por si só, um dos personagens principais, e a versão teatral levou a sério a ideia de trazer músicas pop contemporâneas para o fim do século 19. As inesquecíveis “Come What May” e “Your Song” (original de Elton John) continuam como partes centrais do enredo. A versão de “Roxanne” (The Police), em forma de tango é executada com perfeição. E a atualização com músicas lançadas depois de 2001 traz boas surpresas – “Only Girl in the World”, de Rihanna, vira “Only Girl in a Material World” e funciona muito bem. “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones, cai como uma luva para apresentar o vilão da história, o Duque, em uma versão mais séria e não ridícula. “Chandelier”, de Sia, é uma das melhores cenas da peça. E “Backstage Romance” transforma em tango dois dos maiores hits dos anos 2000 – “Bad Romance”, de Lady Gaga, e “Toxic”, de Britney Spears, com uma coreografia de tirar o fôlego e um jogo de luzes alucinante.
Mas nem todas as novidades funcionam bem. Em uma tentativa exagerada de enfiar a maior quantidade possíveis de músicas de sucesso, muitas delas se tornam forçadas e acabam arrancando risos da plateia. A medíocre “Shut Up and Dance With Me”, da boy band One Direction, é completamente dispensável, e se mistura a “Raise Your Glass”, de Pink, outra escolha equivocada, considerando a quantidade de músicas melhores que a cantora possui em seu repertório. O “Elephant Love Medley” também exagera – enquanto o original já promovia a fusão de algumas das maiores músicas românticas do século 20, dessa vez a mistura é tanta que fica parecendo um Megamix feito por fãs no YouTube.
Mas as falhas definitivamente não comprometem o resultado final. “Moulin Rouge!” é um dos melhores musicais lançados nos últimos tempos, captura a magia original ao mesmo tempo em que se atualiza, diverte, emociona e envolve. Promove uma noite especial como o cabaré original provavelmente fazia com a elite francesa que o frequentava, e tem tudo para se tornar mais um sucesso por décadas em cartaz.