“Não se Preocupe, Querida” (2022), de Olivia Wilde
4Pontuação geral
Votação do leitor 2 Votos
7.2

Onde: Cinemas


Tirando o elefante da sala de cristais: não, não adquiri radioatividade assistindo ‘Não se Preocupe, Querida’, o filme que todos estão tendo o maior prazer do mundo em sacrificar. As histórias de bastidores envolvendo sua diretora, Olivia Wilde, e seu elenco, os entreveros existentes entre eles e até entre as pessoas que nem entraram nele, estão na pauta do dia entre os que curtem martírio público. Desculpem, não será aqui a crucificação da mulher Wilde; procurem outro texto. Quanto a diretora, em sua segunda incursão após o bem sucedido ‘Fora de Série’, essa sim merece e precisa ser comentada, o que não acontecerá com julgamentos a respeito do que ela fez ou deixou de fazer nos bastidores. O que não está em sua nova produção, inclusive, é o motivador das críticas que virão, aqui pelo menos.

O calcanhar de Aquiles do filme, na verdade, é provido pelo que ele tem de ambição. ‘Não se Preocupe, Querida’ é um filme com um arcabouço montado de maneira muito eloquente, tem uma estrutura narrativa bastante criativa, mas que parece explorar pouco suas possibilidades. Um filme com esse material de saída, deveria obrigatoriamente fornecer um desenvolvimento superior ao que é apresentado. Há um excesso de composição que poderia ter sido suprimido pelo que lhe falta – mais camadas, incluindo um olhar mais aprofundado ao personagem de Harry Styles, que tem uma condição ativa na condução dos eventos. Apesar disso, seus motivadores sociais e emocionais não são servidos, e o público acaba por contemplar um drama esvaziado de suas capacidades, que poderiam e deveriam estar lá.

Wilde investe em atmosfera, em um elenco compenetrado, e na exploração de um universo particular, que ela decalca de outras narrativas afins – e que não valem a pena serem mencionadas, pelo bem da ausência de spoiler. Mas tudo isso está em contexto reduzido, como se tivesse feito metade do trabalho. A atmosfera é boa, mas não é completa; o elenco é competente, mas ninguém está acima da média; o universo particular carece de maiores informações para que possamos comprar suas ideias. Nem está em cena uma parábola descolada da temporalidade, nem foi concebido um material que explore suficientemente as bordas de sua discussão atual, que é pertinente.

Se você pegar um desastre de maiores proporções, como o ‘Men’ de Alex Garland, os erros aqui são suavizados. Não é à toa o paralelismo, são filmes que estreiam com duas semanas de diferença um do outro, e ambos debatem a manutenção do patriarcado e uma certa busca por empoderamento feminino, necessário e justo. Se lá, o tamanho da seriedade com que trata o tema é um de seus maiores erros, Wilde sabe observar seu universo e tentar extrair ironia dele. Seu problema é que essa parábola já foi feita antes, com muito mais eficiência e brilhantismo; aqui, não demora para que percebamos que o melhor é não se preocupar mesmo, nem com a querida e nem com o longa.

Ainda que esteticamente, ‘Não se Preocupe, Querida’ esteja oferecendo ao público o melhor possível (fotografia esmerada de Matthew Libatique, de ‘Cisne Negro’, e trilha sonora eletrizante de John Powell, de ‘Shrek’), o filme parece sempre uma realização prestes a se concretizar. Isso nunca acontece, e se por um lado há de se entender a frustração por trás do projeto, por outro não podemos negar que a intenção na produção de não estar dentro de uma categorização banal. É um filme que, de tanto explorar uma metaforização a respeito do vazio – os ovos, a maquete solitária – acaba por adentrar nesse sentimento e não conseguir transmitir ao espectador a urgência que se esperaria de algo dessa natureza.

O espectador menos exigente irá se empolgar pelos ‘plot twists’ contínuos, mas já acompanhamos tantas vezes essa ideia explorada aqui, que rapidamente nada interessa muito. Porque suas observações sobre tais eventos são rasas ou incompletas, e isso é muito pesaroso de se assistir. Seria uma narrativa relevante, tergiversa mais uma vez sobre o plano mundial do Homem em subjugar a mulher e torná-la impotente e inferior, sem precisar recorrer ao feminicídio – afinal, mata-se uma mulher de diferentes maneiras, inclusive arrancando dela seu livre arbítrio e seu desejo de liberdade. Mas Wilde deixou todas essas informações muito mais no campo das ideias do que da apresentação das mesmas.

Então, temos um enorme castelo montado com a melhor argamassa possível, mas cujo interior parece retirado de inúmeros outros ambientes iguais, e onde ainda nada tem a profundidade que deveria. Os personagens parecem vagos demais para que algo seja concretizado; angustia observar que o personagem de Harry Styles tinha um mote de atuação dos mais interessantes, mas cujo desenvolvimento ficou no papel. Soa como um grande ‘quase’, e filme nenhum deveria ser assombrado pela certeza de que a realização foi vã. Na verdade, nenhum escândalo pode ser maior que isso, um filme cujas possibilidades nunca são concretizadas, e que tinha todo o potencial para isso.