No Amazonas, na região da Cabeça do Cachorro, o cineasta Vicente Ferraz acompanha indígenas que realizam travessias entre suas aldeias e a cidade de São Gabriel da Cachoeira, uma das maiores cidades do mundo, com a população formada quase em sua totalidade por indígenas. Através das histórias deles, temos acesso à história local e sua ampla diversidade cultural e linguística.
Indígenas Hupda, Arapaso, Baniwa, Yanomamis e de outras etnias destacam suas diferenças culturais internas, de costumes e de linguajar – são cerca de 18 idiomas diferentes. Contudo, todas as histórias encontram confluência no Rio Negro e na preocupação dos mesmos quanto à interferência do homem branco no território indígena.
O cineasta não interfere no discurso, deixando a fala para os que legitimamente a detém – os indígenas. Desta forma, a crítica e a denúncia do documentário se constroem a partir das falas dos povos indígenas e de suas percepções acerca dos fatos, que vão desde os religiosos catequizadores, da luta pela demarcação das terras indígenas, da luta contra a exploração do território e de seus recursos naturais, e atingem ainda, as transformações psíquicas e fisiológicas dos indígenas durante este processo, bem como a intervenção militar na área – todos os que chegam à cidade de São Gabriel pelo rio são recepcionados por homens do Exército, fardados, que administram o acesso à cidade e revistam minuciosamente seus pertences.
A intervenção do homem branco nas comunidades indígenas é a discussão foco do filme e a partir das histórias contadas, ficam evidentes os conflitos e choques culturais entre os agentes atuantes nas áreas indígenas e os povos.
Não entrarei no mérito quanto à questão técnica cinematográfica, já que em minha opinião, merece destaque a pretensão, por parte do realizador e equipe, de evitar esteriótipos criados em torno da figura do índio, refletindo um olhar “puro”deles sobre si mesmos, fugindo assim, dos clichês costumeiros deste tipo de documentação; ou, por outro lado, talvez isso ainda seja uma opinião influenciada por uma demanda nossa acerca da pretensa pureza da documentação videográfica indígena. Sem ter como desenvolver um pensamento mais elaborado, deixo então a provocação – a qual credito ao documentário que, por sua vez, se valida por levantar questões e propor o debate ao invés de impor qualquer solução definitiva.