MURIBECA (2020), de Alcione Ferreira e Camilo Soares
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A questão habitacional no Brasil, influenciada pelo claro apartheid social, beira à perversidade. Milhares de pessoas não possuem moradia e/ou moram em condições de extremo perigo, sob o iminente estado de calamidade. Falta de incentivo público, construções barateadas, ocupações irregulares e por fim, desabamentos, são consequências diretas deste cenário.

Sob este campo, Alcione Ferreira e Camilo Soares se debruçam sobre MURIBECA, um dos grandes exemplos de descaso da aplicação de dinheiro privado para benefício de instituições públicas.

O Conjunto Muribeca, conjunto habitacional localizado no bairro da Muribeca, na cidade de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, foi construído em 1982 com recursos do BNH (Banco Nacional da Habitação), que depois de sua extinção passou a ser de responsabilidade da Caixa Econômica Federal.

Apenas quatro anos depois, por volta de 1986, começaram a aparecer severos problemas que comprometiam a estrutura de diversos dos 70 (setenta) prédios construídos originalmente. Desta forma, famílias foram obrigadas a desocupar seus imóveis com urgência, sob intervenção policial, para que os prédios fossem demolidos.

O primeiro prédio foi demolido em 1995 e os demais a partir de 2005, ou seja, quase dez anos após a constatação da irreversibilidade e periculosidade da situação. As famílias receberam auxílio moradia, e somente em 2020 firmaram acordo judicial para o recebimento de uma indenização irrisória por parte das instituições responsabilizadas.

O documentário atravessa as estatísticas e foge do status de data-base ao resgatar a memória afetiva dos escombros de Muribeca. Moravam cerca de 32 famílias por bloco, de forma que Muribeca era uma comunidade que vibrava e promovia a união de todos os seus moradores, através de festas de carnaval, campeonatos de futebol, até mesmo canal de rádio e de tv locais, que divulgavam os acontecimentos do conjunto, além de serviços, comerciantes locais e outros.

Os diretores se utilizam da mescla de linguagens cinematográficas, e através do depoimento de ex-moradores e moradores remanescentes (que permanecem no entorno do conjunto), imagens colhidas à época e imagens atuais do local, reconstituem a vida íntima e pulsante de uma comunidade, contrapondo com o que restou de um sonho interrompido bruscamente. Dona Inês, Charles, Suelen, Seu Assis, dentre tantos outros, representam a memória afetiva de um lugar próspero que, desde seu nome – MURIBECA – que do Tupi significa “a mosca importuna”, ainda incomoda, luta e resiste. Apesar do acordo realizado com a Justiça, ex-moradores e moradores ainda lutam pela revitalização do espaço físico de Muribecca, cujo terreno foi incorporado à Prefeitura. Por conta disso, caberá a gestão a administração de um parque público, com escolas, área de lazer e posto policial na área onde era o conjunto.

Além de retratar a grave perpetuação de um déficit sócio-político-econômico, o documentário faz jus e humaniza um espaço geográfico que representa até os dias de hoje um marco afetivo na vida de muitos, fazendo jus à memória de cada um que por lá passou, lutou e ainda luta.

MURIBECA | Trailer Oficial – Em breve nos cinemas e plataformas digitais

Diante da iminente transformação de seus lares em uma verdadeira cidade fantasma, moradores do Conjunto Habitacional Muribeca expressam a morte física de uma comunidade ainda viva na memória e nos sentimentos.

Ficha Técnica

Direção: Alcione Ferreira e Camilo Soares

Roteiro: Alcione Ferreira e Camilo Soares

Produção:  Camilo Soares

Direção de Fotografia: Alcione Ferreira e Camilo Soares

Edição: Paulo Sano

Gênero: Documentário

País: Brasil

Ano: 2020

Duração: 78 min.