A produtora Higher Ground, de Barack e Michelle Obama, em sua primeira parceria com a Netflix, apresenta aqui um documentário íntimo, intrigante e incrivelmente conflituoso sobre tudo o que envolve relações trabalhistas e empresas gigantescas atrás do lucro a qualquer custo.
Os ótimos diretores Julia Reichert e Steven Bognar conseguem retratar – entre falidos, demitidos, novos empregados e chefões – a tensão e a alegria numa forma extremamente cativante em “American Factory” (2019).
Após a crise americana de 2008, os cineastas Reichert e Bognar criaram um pequeno documentário chamado “The Last Truck” (2010). Tal filme se passa na pequena cidade de Moraine, no estado de Ohio (EUA). Nele, mostram tudo que aconteceu sobre o encerramento de uma das empresas americanas mais tradicionais do planeta: a General Motors, que sustentava muito daquela região ao sul da cidade de Dayton.
O encerramento destas atividades é o mote deste ótimo concorrente ao Oscar de 2020: “American Factory”. Após falir, as instalações da GM foram compradas por um bilionário chinês e lá ele instala sua enorme fábrica de vidros automotivos, a Fuyao Glass America. A dupla de documentarista mostra de forma estreita as diferenças cruéis, culturais e econômicas, entre americanos e chineses em meio à instalação da Fuyao.
O fechamento da GM, logo no início da película, deixa cerca de 3.000 americanos desempregados. Com a vinda da Fuyao, em meados de 2015, muitos destes americanos retornam a um emprego junto à empresa do bilionário chinês Cao Dewong. Os novos donos daquele espaço encaixam cerca de 2000 satisfeitos americanos ao lado de 200 habilidosos chineses.
Uma credulidade muito bem traduzida pela lente de Bognar e Reichert, que transita pelo
sensacionalismo cômico até alcançar o ápice da obra. Este é o ponto em que começamos a observar o desacordo entre os altamente tecnológicos chineses e a classe trabalhadora americana com seus interesses. Vale destacar que o salário na GM era cerca de 28US$ por hora e cai drasticamente a 12 US$ a hora.
A liberdade do estado de Ohio fascina os chineses da Fuyao: alguns se divertem disparando armas e devorando churrascos. Há um que vai longe: “aqui podemos fazer piadas com o presidente que não vamos presos”. Mas, mesmo em outro país, o comprometimento deles é extremamente engajado com a produção. Para eles, é normal encarar a rotina de 12 horas seguidas de trabalho e laborar horas extras de maneira obrigatória.
Numa crítica ácida e cômica, um chinês emenda: “os americanos são preguiçosos e têm os dedos gordos”. O americano não se ajusta ao que é imposto pelo chinês. Suas 8 horas de trabalho, férias remuneradas e horas extras devidamente pagas são direitos trabalhistas que foram conquistados ao longo dos anos pelos americanos (semelhante aos nossos direitos).
Os documentaristas, então, posicionam suas lentes para a necessidade americana de formação de sindicatos. Isso é ampliado pelas más condições de segurança no ambiente de trabalho e pela falta de comprometimento com regras de proteção ambiental. Não havia ali, por exemplo, um adicional de atividade periculosa.
Porém, o alerta aterrador vem da boca do próprio presidente da Fuyao, Cao Dewong: “Não quero saber de formação sindical aqui de forma alguma”. A partir daí, há uma intensa caça aos que tinham intenção em se sindicalizar. A perseguição é operada por gerentes chineses. A obra adquire um ar tenso e nada harmonioso. A empresa chega a ter um prejuízo grosseiro em seu primeiro ano de operação.
O filme – destaque em Sundance (2019) – com o prêmio de melhor direção em documentário
chega ao seu final de maneira apressada, passando uma mensagem um tanto pessimista ao público. Automação é a mensagem. Pela visão do presidente, vamos transitando por um ambiente hostil, diferente daquele do início da produção. Sindicalizado ou não, a realidade breve é a redução da mão de obra. Nos despedimos do filme em meio a robôs e a um silêncio desconvidativo.