O diretor australiano Anthony Maras, que fez o ótimo curta “The Palace” (2011), traz aqui seu longa-metragem de estreia contando um dos mais aterrorizantes ataques recentes contra a humanidade. Este é um dos raros eventos em que o título nacional dado a uma película estrangeira é melhor. Taj Mahal é o nome do hotel foco da história. A trama acompanha os eventos de 26 de novembro de 2008, que ocorreram na cidade de Mumbai, na Índia. Foram 10 ataques terroristas que aconteceram de maneira organizada em diversos pontos da cidade.
Alguns destes locais, eram sítios de alta concentração de turistas. Ao todo foram contabilizadas chocantes 166 mortes e 308 feridos. Anthony Maras acompanha com extremo zelo muito do que aconteceu naquele dia fatídico. Desde a chegada dos terroristas até seu desfecho inesquecível.
O que desperta atenção logo em seu trabalho de estreia é a maneira como ele entrelaça diferentes grupos de pessoas importantes neste enredo. Tudo se completa e acaba por fornecer uma visão mais intimista a todos estes núcleos, seja aos turistas riquíssimos, seja ao estafe do hotel (como o grupo de trabalhadores da cozinha ou os recepcionistas), aos cidadãos mais humildes da cidade, à polícia indiana e até mesmo aos terroristas.
Um baita contraste social coberto por diversas camadas. Maras tem a habilidade de nos inserir no cenário da obra fazendo com que percorramos juntos e de maneira mais profunda tudo que ali ocorre. Em cada grupo, principalmente com os terroristas, o diretor Maras faz uso de seus movimentos de câmera pra trás, possibilitando ao público participar de momentos íntimos de fugas e de terror de um modo mais visceral.
Toda tensão e o sufoco no momento dos ataques é criada pela habilidade do diretor em subverter o que se esperaria. Ele não mostra algo amplo aos telespectadores, que não sejam fachadas do hotel e do restaurante ou um ligeiro plano geral na estação de trem, também atingida. De resto, são planos fechados com soluções bem gráficas e violentas.
Apesar de citar os diversos locais com ataques sincronizados, o filme acompanha rapidamente o que ocorre na estação de ferroviária, passa pela tragédia no restaurante Leopold Café e chega então ao local que dá título à obra. Chega ao luxuoso hotel Taj Mahal. O diretor de fotografia Nick Remy Matthews contribui bastante com o diretor Maras ao compor os cenários trágicos.
Muito disso Matthews trouxe da premiada serie “Band of Brothers” (2001). A guerra no hotel Taj dura cerca de três dias. E, por imagens reais mescladas com as filmagens, vimos que tudo começou por volta de 21h do dia 26 de novembro, mas as forças armadas indianas apenas adentram o local por volta das 4h da manhã do dia seguinte. Era tarde demais.
De todos os núcleos entrelaçados no filme, destaque ao ótimo Dev Patel (Lion), ao versátil Armie Hammer (Me chame pelo seu nome) e ao carismático Anupam Kher (O lado bom da vida). Patel dá vida ao garçom Arjun, personagem que é uma espécie de homenagem a todos os que trabalhavam no hotel na fatídica noite. Afinal de contas, muitos ali poderiam ter abandonado o hotel quando tiveram a chance, mas não o fizeram.
Muitos como o personagem de Patel, pai de família humilde e devoto trabalhador, ficaram no hotel para ajudar os hóspedes. Não foi mera reverência. Isso ocorreu realmente. E como emocionam as expressões deste ótimo ator. Já o chefe de cozinha Hemant Oberoi, interpretado por Anupam Kher, que de fato existe na vida real, nos dá a exata dimensão do que ele faria pelo hotel quando diz que o “hóspede é Deus”.
Um muito bom Armie Hammer representa a variedade de turistas estrangeiros que passam pelo Taj. Das cenas que ele compõe, pode-se ver claramente a dualidade de mundos entre funcionários e turistas endinheirados. Essa diversidade fica clara também quando se justapõe o núcleo de Hammer ao dos terroristas. Como não acelerar o coração toda vez que o bebê do personagem de Hammer divide tensões com os terroristas?
A maneira com que Maras escreve, baseado em relato das próprias pessoas que estavam no hotel naquele triste novembro, faz com que alguns dos terroristas ganhassem um pouco de humanidade. O grupo que assume o ataque, alguns dias depois do evento, é uma pequena organização paquistanesa islâmica chamada Mujadihin do Decão. O Paquistão tem uma profunda e delicada questão geopolítica com a Índia. Há quem possa pensar em algum preconceito religioso no cerne da película, mas não.
O que realmente infere-se é que pessoas nefastas – que de fato não sabem interpretar religiões ou entendê-las – estão inseridas nas diversas camadas da sociedade sob diversos credos ou sem eles. Apesar disso, Hotel Mumbai é um ótimo thriller, que conta com habilidades técnicas incríveis para um estreante em longas-metragens.