Onde: cinemas
Existem duas formas de assistir Casa Gucci, novo filme de Ridley Scott (e segundo em 2021): a primeira é como uma cinebiografia histórica, que conta a trajetória do relacionamento entre Patrizia Reggiani e Maurizio Gucci, herdeiro da multibilionária grife de moda, passando pela entrada dela na família, a ascensão do casal dentro dos negócios da família e o assassinato de Maurizio. A segunda forma é como uma sátira ao mesquinho mundo de ricos, sucessores e de uma “alta sociedade” que vive em um Olimpo regado ao que o dinheiro pode comprar. Entretanto, só uma dessas duas alternativas faz o filme, de fato,funcionar. E é a da sátira.
Ridley Scott é um dos maiores nomes do cinema e sua paixão por filmes históricos passa por acertos como Gladiador, Falcão Negro em Perigo, O Gângster e, o mais recente, O Último Duelo. Entretanto, outros como Cruzada, Robin Hood e Exodus: Deuses e Reis não são unanimidade.
Casa Gucci se aproxima mais do que Ridley Scott fez em Todo Dinheiro do Mundo, filme que ficou mais conhecido pela atitude do diretor de substituir Kevin Spacey após a produção já terminada, do que pela história que ele conta. Gucci e Todo o Dinheiro poderiam inclusive fazer parte de um RidleyScottVerso de filmes de crime na alta sociedade.
A diferença entre os dois filmes está no tom que o diretor, do alto dos seus 84 anos, imprime para a trama da família Gucci. Se em Todo o Dinheiro do Mundo, Paul Getty era o magnata com o mundo na mão e sabia disso, em Casa Gucci, os herdeiros da grife parecem não saber que existe um mundo lá fora. Ou melhor, parece que não se importam com o que existe fora do seu mundinho dos melhores restaurantes de Milão, mansões, roupas de luxo e de dar carteirada com o sobrenome da família. Dessa forma, ver Casa Gucci como uma sátira ao mundo do ego aristocrático talvez seja a única forma de contar essa história.
O centro dela é Patrizia Reggiani (Lady Gaga), jovem que se apaixona por Maurizio (Adam Driver) e pelo que representa o sobrenome Gucci. Desaprovada pelo sogro (Jeremy Irons), Patrizia vê a grande oportunidade na aproximação com o tio do marido, Aldo Gucci (Al Pacino). A partir daí, o filme segue por intrigas entre a família, a obsessão de Patrizia pelo nome, pelo marido, o drama conjugal, que termina em traição e o plano de assassinato de Maurizio. O maior erro de Casa Gucci está em não decidir qual dessas muitas histórias contar direito. No final das contas, nenhuma delas é bem aproveitada.
É impossível falar do tom satírico do filme sem citar a escolha do diretor em colocar atores falando inglês com sotaque italiano. É como se assistíssemos aos dramas do Leblon de Manoel Carlos, dirigidos pelas visões multiculturais de Gloria Perez e seus bordões. Se Lady Gaga e Adam Driver (até os últimos 30 minutos) passam sem grandes problemas por essa decisão, fica na conta de Jared Leto a maior personificação do ridículo. Irreconhecível embaixo de um incrível trabalho de maquiagem, o Paolo Gucci de Leto é, a contraparte do Maurizio feito por Driver. Um é esquisito e renegado pela família, já o outro, o bonitão que todos amam. Scott então aumenta o tom de Paolo para justificar as atitudes da família e de as de Maurizio, principalmente as do final do filme.
Quem realmente brilha em Casa Gucci é Lady Gaga. Do início aparentemente ingênuo, passando pelo obsessivo até o enfraquecido e quebrado, é possível ver a evolução da atriz dentro da personagem. Entretanto, a jornada de Patrizia perde força ao longo das mais de duas horas e meia de filme, quando deveria ser totalmente ao contrário. O drama de alguém que lutou por anos para conseguir o que queria dentro do clã Gucci e é abandonada, deveria ser um mote para a loucura da atitude que ela vai tomar no final. Deveria ser um crescente, mas Ridley Scott prefere tirar o foco de Patrizia para mostrar o desenrolar dos negócios da grife, focando em Maurizio. No final das contas, o que interessa nessa história é quem mandou matar e não quem morreu. A cena de Gaga com Salma Hayek contratando os assassinos de Maurizio é ridícula. A forma como Patrizia se porta parece retirada de um esquete do Casseta e Planeta.
Ridley Scott criou uma das maiores personagens femininas do cinema com a Ripley, de Alien, O Oitavo Passageiro, fez um clássico do empoderamento feminino com Thelma & Louise e mesmo agora, em 2021, falou da misoginia histórica no mundo com o ótimo O Último Duelo. O mínimo que se esperava da história de Casa Gucci, com uma protagonista como Lady Gaga, era que a jornada de Patrizia fosse tão impactante, quanto foi na sociedade italiana da década de 1990.
Entretanto, parece que Scott ficou mais preocupado em apontar o dedo para a mesquinharia dos ricos e a paixão por seus próprios umbigos. Casa Gucci acaba como uma experiência para nós, pobres mortais, de rir da cara daqueles que se acham os donos do mundo, mas não sabem o que fazer com ele e o deixam guardado no cofre.