“Cidade de Gelo” (2020), de Mikhail Lockshin
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9.4

Eis que temos aqui neste rigoroso inverno uma bela obra digna de muitos graus negativos. O gelado filme russo do diretor Michael Lockshin é um sucesso popular no cardápio da Netflix. Considerado já um dos melhores romances do mainstream atual. O roteiro é formulaico, simples, tem seus vícios e é bem conhecido. Mas a execução e o exuberante design de produção envolvem o espectador, fazem com que ele possa estar imerso ao universo lindo da formidável e luxuosa São Petersburgo.

Temos uma Rússia czarista, estereotipada e intolerante num inverno severo perto de 1900 (antes da constituição da URSS) ilustrada de maneira pomposa devido à fotografia de Igor Grinyakin. O design é minucioso. São Petesburgo se torna uma cidade glamurosa, iluminada, mais linda que o normal. Palácios belíssimos, canais congelados, mansões e pontos turísticos variados são os cenários aqui.

E então seguimos o simples garoto Matvey (Fedor Fedotov), que trabalhava como entregador, a bordo de seus rápidos patins, em uma confeitaria local, mas que foi demitido. A partir dali, a vida de Matvey se altera abruptamente. Ele conhece um grupo de batedores de carteiras comandado por Alex (um ótimo e intelectual Yuriy Borisov) e vê ali a chance de melhorar de vida junto ao seu humilde e tuberculoso pai. Matvey é treinado pelo grupo e logo começa a faturar muita coisa nos arredores de um nobre mercado de um dos canais.

A produção de arte e o figurino são impecáveis e nos situam naquela pré-URSS. Em meio aos furtos, um romance improvável surge como num conto de fadas. Matvey se apaixona por Alice, filha de um ministro. Tudo bem orquestrado por Lockshin, que ainda homenageia o cinema do francês Robert Bresson (O batedor de carteiras, 1959). O balé nas cenas de ação dos furtos, como no filme de 59, com closes e câmeras lentas, é genial.

Com sua mis-en-scène, o diretor consegue justificar os furtos e o romance. Lockshin, num válido exagero poético, sugere que um certo e famosíssimo livro – ainda muito usado em universidades europeias – poderia ser a base para pontuar as lutas de classe e suas divergências naquela comunidade russa. Uma linda e envolvente obra que nos faz vibrar por Matvey.