DOMINGO À NOITE (dir. André Bushatsky)
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A MEMÓRIA COMO FORMA DE MANUTENÇÃO DA IDENTIDADE

Tem coisas que a gente escolhe. Outras não.

A sentença, dita com propriedade por Margot, personagem de Marieta Severo, concentra a amplitude de significados e significantes que o filme Domingo à Noite se propõe a atingir.  Margot (interpretada de forma impecável por Marieta Severo), é uma atriz renomada que tem sua vida modificada pelo diagnóstico de Alzheimer do marido e parceiro, Antonio (Zé Carlos Machado), premiado escritor.

A partir de então temos uma mulher que responde pela autonomia, não só de sua própria vida, como da de seu marido. Com empatia e respeito, ela cuida de seu marido, se esforçando para preservar a dignidade existencial e os resquícios de sanidade, não só de seu marido, como da história de ambos.

Entretanto, tudo cai por terra a partir do momento em que Margot recebe seu próprio diagnóstico de Alzheimer.

Sem saber como lidar com o decreto de sua sentença, ela aciona seus dois filhos, Fran (Natália Lage) e Guto (Johnnas Oliva), na tentativa de acordar com os mesmos acerca do futuro.

Fora a importância da discussão da doença do Alzheimer em si, a premissa se propaga de forma simbólica para discussão de pautas mais complexas.

A presença de Margot como figura central, símbolo de força, autonomia e arrimo familiar, por si, subverte a cultura machista estrutural, impregnada pelo conceito sacro de família. Atrelado a este posto, está o verdadeiro “x” da equação: a autonomia.

A autonomia de corpos, escolhas, possibilidades, recursos.

O exercício da liberdade do próprio ser é pauta urgente em uma sociedade que elege e reelege regimes fascistas. Para as mulheres, então, o exercício da liberdade do ser feminino é pauta primordial em uma sociedade que precifica o corpo da mulher ao admitir o pagamento de fiança de um ídolo do futebol condenado por estupro.

Tem coisas que a gente escolhe. Outras não.

Pode-se escolher individualmente não reforçar narrativas opressoras, mas não exercemos controle acerca do coletivo, ainda que se trate de forma paradoxal de um coletivo individual, já que vivemos a cultura do “eu”. Direitos individuais que se sobrepõem ao interesse coletivo – a exemplo do ocorrido quanto à vacinação pandêmica.

Essa cultura se destaca no filme através da figura dos filhos. Francine, personagem de Natália Lage, se dá ao direito de controlar questões que não lhe dizem respeito e, por mais que o Alzheimer seja a problemática central, ela constantemente direciona a questão para si, para suas questões pessoais com a mãe. Guto, personagem de Johnnas Oliva já demonstra a praticidade de uma nova geração capitalista, criada sob o manto da internet: é a praticidade da vida, em que as questões devem ser resolvidas rapidamente porque tempo é dinheiro. Em pouco tempo, uma vida acontece, uma ação da bolsa despenca, alguém é cancelado, bastam segundos para que a vida mude de forma drástica.

O filme acerta no sentido de abrir tais possibilidades narrativas abstratas, que os atores, com muita expertise, se aproveitam para aprofundar. Apesar do sublinhamento de mecanismos melodramáticos, como a trilha onipresente de piano, as atuações conseguem preservar sua integridade, passando a mensagem que importa: a necessidade da empatia para formação e sustento de um coletivo e dentro deste campo, a imprescindibilidade da autonomia, que o verdadeiro exercício de liberdade é o exercício de ser e que isso também é (ou pelo menos deveria ser) uma escolha.

Assista a entrevista com a equipe e elenco:

DOMINGO À NOITE | Entrevista equipe e elenco

Domingo à noite conta a história de Margot (Marieta Severo), uma grande atriz brasileira que cuida de seu marido, Antônio (Zé Carlos Machado), que se encontra já em estado avançado de Alzheimer. Sua vida muda novamente de forma drástica quando ela descobre que também está com Alzheimer.