Poucos diálogos, um som impecável que dita o tom e uma das mais imersivas sensações de contemplação à sétima arte já vistas fazem o diretor italiano Sergio Leone chegar a mais uma magnífica obra-prima. Conforme sua marca em filmes anteriores, o diretor usa a música do maestro, também italiano, Ennio Morricone como personagem principal aqui. Essencial à obra. No oeste desolado e melancólico de Leone a música fala.
Com apenas US$ 5 milhões foi possível rodar o filme pelos cenários pitorescos do interior de Utah (EUA) e do sul da Espanha. Como exímio manipulador da câmera, Leone sempre executa sua gramática visual de maneira perfeita. São usos excessivos de primeiro plano e de primeiríssimo plano, daqueles em que podemos observar um delicado cuidado a fim de mostrar valor dramático e maior expressividade a seus sempre dúbios personagens.
Naqueles movimentos de câmera, chego a me encontrar muitas vezes em tom de igualdade com Jill, Cheyenne, Harmonica e até mesmo com o assassino Frank. Sergio Leone te coloca à altura dos olhos dos atores. É possível perceber o suor à face árida e avermelhada de Harmonica, interpretado por um Charles Bronson que dá vida a este épico personagem. Seguimos o olhar dissimulado de Cheyenne (o carismático e alívio cômico Jason Robards). Também nos vemos diante das pupilas desoladas e frias da linda Claudia Cardinale. Da mesma forma, nos marca a expressão que intimida, sempre gelada do implacável caçador de recompensas Frank, ninguém menos que o queridinho do diretor: o ator Henry Fonda.
“Era Uma Vez no Oeste” acompanha a história da ex-prostituta Jill McBain que, ao chegar de New Orleans (EUA) a uma cidadezinha do interior de Utah (EUA), encontra sua família aniquilada pelo cruel e impiedoso Frank. O assassino possuía interesse na propriedade dos McBain, que seria uma área muito valorizada com a rápida chegada da ferrovia. Mas ele descobre que a viúva Jill ainda era a dona do local e então vai persegui-la. Jill conta com a ajuda do criminoso Cheyenne, sobre quem é jogada a culpa pela morte da família McBain.
O roteiro não permite furos ao colocar o pistoleiro Harmonica ao lado da dupla Jill-Cheyenne. Harmonica, marcado por levar consigo sempre uma gaita e sua pistola, está disposto a cooperar com a dupla para que Jill não perca sua terra. Ele se mostra observador e calculista, com uma busca misteriosa que lhe cerca durante toda a obra. A gaita de Harmonica – a cada toque – indica que algo intenso está pra acontecer.
Quanto ao maestro Ennio Morricone – quem assina a Trilha do filme (maiúscula aqui) –, ele cria um ambiente sonoro único ao aumentar nossa experiência com a trama, que é assim aperfeiçoada em meio à combinação de som e imagem do par Leone-Morricone. Destaque para a cena de abertura em que três pistoleiros esperam por um homem numa estação de trem.
Simples? Não. Aqui a cena dura cerca de 15 minutos e quase não possui diálogo. Momento de contemplação ao cenário pitoresco do oeste americano. Momento também de mergulhar em cada ruído ambiente que traduz como são os desesperançosos personagens e nos diz exatamente o que veremos no tal encontro dos pistoleiros. Leone cuida do som como se fosse um filho.
A assinatura de Leone é tocar a música antes de mostrar seus personagens. Cada qual com uma canção ímpar. O italiano, desta maneira, antecipa a apresentação, ele nos surpreende. Isso permite presenciar entradas dramáticas em seus filmes. Como não ficar marcado pela gaita de Harmonica (Bronson) que nos fascina a cada aparição? Sabemos do lamento e da tristeza que aquele confiante homem carrega apenas pelo tocar da gaita na hora certa. E isso se repete com outros personagens e também com objetos.
“Era uma vez no Oeste” é daqueles filmes que não se pode ver apenas uma vez. É para sempre. É uma experiência monumental. Ocupa o topo do gênero ao lado de “Três Homens em Conflito” (um dia falo sobre este), também de Sergio Leone.
Onde ver: Looke e Telecine Play