“FRESH” (2022), DE MIMI CAVE
9Pontuação geral
Onde: starplus e hulu
É muito interessante pensar que os melhores filmes de terror sempre se basearam em medos e inquietações de sua época. De O Massacre da Serra Elétrica e a influência direta das mudanças culturais do início dos anos 70, passando pela inquietação dos jovens dos anos 80 e A Hora do Pesadelo, até as questões raciais dos últimos anos em Corra! e A Lenda de Candyman.
Todos tratam de assuntos pertinentes para sua época, debatidos na mídia, mas que são sempre descreditados ou ignorados por grande parte da audiência.
Em Fresh, filme da estreante Mimi Cave, o horror está nas formas atuais de relacionamento e nos abusos sofridos pelas mulheres. Abusos esses que também foram tema do bom O Homem Invisível, remake do personagem clássico do terror trazido para uma discussão mais moderna.
E o trabalho da diretora impressiona. Não à toa, a Searchlight já havia comprado o filmes, mesmo antes dele estrear em Sundance. Oprincipal fator de sucesso de Fresh está na dupla protagonista. Daisy Edgar-Jones transita perfeitamente entre a jovem que não gosta de encontros, mas que está doida pra que um dê certo, para a descoberta da traição, o horror que passa durante o filme e a dualidade em relação ao abusador.
Do outro lado, Sebastian Stan, o até então herói do MCU, une Hannibal Lecter com Patrick Bateman e uma pitada de Nathan Bateman (também!), de Ex-Machina, para criar um retrato de diversos abusadores do mundo real refletido na psicopatia de Steve.
Todos os quase 30 minutos iniciais do filme, com os dois se conhecendo, poderiam estar perfeitamente em uma comédia romântica. Daquelas mais açucaradas. Próximo ali da meia hora de filme, a chave do relacionamento dos dois vai virando, até que surgem os créditos iniciais e enfim conhecemos o que Fresh tem a dizer.
É difícil comentar sem spoilers, já que existem vários momentos de surpresa no roteiro. Nenhum grande plot twist, mas momentos “sério isso?”.
Vale destacar que Cave enfatiza bem as questões que envolvem os diversos abusos sofridos por mulheres, seja em encontros que dão errado ou nas negativas que elas dão para os homens e são sempre devolvidas com agressividade. As partes dos corpos femininos são peças fundamentais em Fresh. São elas que vivem sendo expostas, seja na TV, na moda ou em vazamentos de conteúdos íntimos. A diretora ainda aborda a falta de apoio de outras mulheres, o encantamento que os abusadores exercem sobre suas vítimas e até a covardia de outros homens perante essas situações.
Fresh é bem fotografado, traz movimentos de câmera e edição que combinam com o tom muitas vezes satírico da trama, que é produzida por Adam McKay. Há um deboche e uma agilidade muito bem combinados entre o texto e a montagem. Ah, e ainda tem uma trilha sonora excepcional.
Fresh é a primeira grande surpresa do ano. Um filme moderno na técnica e no texto. Mimi Cave parte de uma crítica das relações efêmeras e casuais da atualidade, mas brilha nas metáforas nada sutis sobre a toxicidade masculina. A diretora expõe isso em praticamente todas as cenas, como se dissesse: vamos ver se aprendem dessa forma.
Se pensarmos que, só no Brasil, um terço das mulheres morrem por serem apenas mulheres, ela deveria até ter mostrado mais. Muito mais.