Judas e o Messias Negro
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9.3

É incrível como, volta e meia, o cinema conta as mesmas histórias ou tramas que se complementam no mesmo ano. Seja em filmes como “O Ilusionista” e “O Grande Truque” ou “Priscilla, A Rainha do Deserto” e “Para Wong Foo”, com temáticas semelhantes, até “Dunkirk” e “O Destino de uma Nação”, que podem juntos virar uma excelente sessão dupla sobre um momento histórico da Inglaterra. A temporada de premiação desse ano também tem a sua dobradinha com “Os 7 de Chicago” e “Judas e o Messias Negro”. Foi interessante vermos Fred Hampton (interpretado por Kelvin Harrison Jr.) fazendo uma participação em um dos arcos mais interessantes do filme de Aaron Sorkin. Foi quase um teaser do que viria a ser “Judas e o Messias Negro”.

O filme, dirigido por Shaka King, conta a história de Bill O’Neal (Lakeith Stanfield), infiltrado no Partido dos Panteras Negras para espionar Fred Hampton (Daniel Kaluuya) a mando do FBI. A trama acompanha de perto a jornada de ambos os personagens, o que dificulta um pouco entendermos claramente quem é o protagonista do filme e qual história será contada: a do traído, o Messias, ou a do traidor, o Judas. A grande questão é: ambas são muito interessantes.

De um lado, temos um homem negro que é preso por um crime e cooptado por um agente do FBI para que, em troca do perdão, espione o movimento que luta pelos direitos civis de pessoas negras. Do outro lado, um dos líderes mais importantes da história dos Panteras Negras e um dos assassinatos mais marcantes na luta pelos direitos nos EUA. E se as histórias dos dois já não fossem suficientes para gerar um bom filme, a escolha de elenco é precisa ao trazer Stanfield e Kaluuya. O primeiro tem o trabalho mais complicado. Uma atuação mais contida, mas que tem que carregar o peso da traição, o medo e a ansiedade de quem está andando no fio da navalha o tempo todo, sendo pressionado por ambas as partes. Já Kaluuya, brilha em nos fazer simpatizar com Hampton e em acreditar em seus meios para defender sua causa. É praticamente impossível não repetir o “I am a Revolutionary” junto com Hampton na cena da igreja. Aliás, essa cena deve ser uma das responsáveis diretas por todos os prêmios que Kaluuya acumula na temporada.

Brilha também a direção de Shaka King. A forma quase documental como o diretor filma, somada à fotografia lavada de diversos momentos da trama, tornam a experiência muito próxima do real. Parece que estamos assistindo uma janela para aquele momento da história. A comparação da cena de abertura com a de encerramento, ambas mostrando um depoimento de O’Neal, é incrível. Tanto na direção de composição da cena, como na da atuação de Lakeith.

Judas e o Messias Negro é mais um grande filme da temporada, que é contado do ponto de vista de figuras históricas negras. Junto com “Uma Noite em Miami” e “Destacamento Blood”, talvez seja um dos mais importantes dos últimos anos. É uma história que precisa ser contada e repassada para todas as gerações. Por anos, exterminar e criminalizar essas histórias foi a missão da vida de J. Edgar Hoover, diretor do FBI na época, e seus comparsas do Estado. Hoje, diretores como Shaka King, Regina King ou Ryan Coogler (que também produz aqui), seguindo os passos de mestres como Spike Lee, trabalham para que, figuras como Fred Hampton, Sam Cooke, Luther King, Malcolm X, Medgar Evers, Emmett Till, Rosa Parks, Angela Davis e tantos outros, sejam lembradas para sempre. Nas palavras de Hampton: Você pode matar um revolucionário, mas não pode matar uma revolução. E o cinema e a arte são partes fundamentais desse movimento.