Papai Noel existe sim. A Netflix encontrou um jeito singelo, lindo, formidável e, pasme, original de narrar essa existência. A arrebatadora empresa do streaming traz aqui sua primeira animação original e que, de partida, já lhe rende uma indicação ao Oscar deste ano. O longa chega ao público pelas mãos do diretor espanhol Sergio Pablos, produtor e criador do universo “Meu malvado favorito”.
Como uma narrativa tão conhecida ainda tem o poder de nos cativar? A força de Pablos, renomado por ser animador também em películas como “Hércules” e “O Corcunda de Notre Dame” está na maneira pela qual ele conta esta história. Por vários momentos crescentes no filme observa-se que a existência do Papai Noel não é apenas plausível: é real. Pablos se supera fazendo o básico. O filme é inteiramente desenhado à mão, sendo exibido no conhecido 2D.
O espanhol procurou a Netflix, que comprou o projeto em meados de 2017, e juntos conseguem já ser um sucesso mundial de acessos. A simplicidade do 2D nos remete a animações antigas. E isso não tira a beleza do filme. Ele é encorpado, encantador, e muito bonito do ponto de vista estético. As cores traduzem com exatidão tudo que é sentido no filme, todo tipo de percepção. Como do desânimo gélido do Ártico ao deleite do sucesso natalino do final da obra, nada é perdido aqui.
O trabalho é nostálgico. Há circunstâncias em que se olvida da existência de gigantes do 3D como a Pixar (“Procurando Nemo” e “Toy Story”) e a DreamWorks (“Shrek e Kung Fu Panda”). Consigo cravar seguramente que é uma das melhores metáforas natalinas já contadas.
A trama acompanha o preguiçoso, individualista e desajeitado carteiro – o Jesper – que surge como o pior aluno da academia de carteiros da cidade onde o filme se passa. Com isso, ele é enviado pelo pai – o milionário chefe do serviço postal – para que cumpra uma missão na longínqua ilha ártica de Smeerensburg (na vida real não tem o “s” ali no meio da palavra). A missão é montar um serviço postal de sucesso naquele gelado e nunca convidativo lugarejo.
Sergio Pablos reconstrói aqui uma referência ao ponto mais setentrional da Europa: o assentamento norueguês de Esmeremburgo. Lá, o avarento carteiro Jesper (Jason Schwartzman) é obrigado a fazer circular – no período de um ano – 6000 cartas. Somente assim, ele voltaria a sua vida de luxo. O que Jesper não sabia ao chegar ao local é que o povo dali vivia num conflito histórico infindável. O ódio cobre os Ellingboe e os Krum.
O lugar é envolto por uma desolação sem tamanho. Obviamente Jesper não conseguiria atingir sua meta. Com medo dos conflitos familiares, as crianças não frequentam a escola do local. Desta forma, a professora dali se torna ressentida e mal humorada. Alva (Rashida Jones), a professora, reluta em ajudar Jesper com a missão das cartas. O carteiro, então, em suas andanças pela floresta da comunidade, encontra um velho grande e enigmático com exímias habilidades de carpinteiro, conhecido como Klaus (ótimo trabalho de voz do vencedor do Oscar J.K. Simmons). Klaus faz brinquedos aos montes, mas – curiosamente – são para ninguém.
Vale ver o filme – como sempre grifo aqui – no idioma original. Sua experiência é aumentada. Sabemos que na versão nacional, Rodrigo Santoro dubla o Jesper.
Espertamente, a fim de atingir seu objetivo pessoal, Jesper tem a ideia de fazer com que tais brinquedos cheguem às amargas crianças de Smeerensburg. Mas, para que ganhassem um, deveriam fazer uma carta pedindo-o. É aí que observamos a magia do Natal tocando Jesper. Num intuito nada altruísta vai nascendo uma generosidade incrível. Klaus e Jesper seguem a todo vapor – aqui cenas emocionantes da dupla em ação – recebendo cartas e construindo brinquedos.
Coincidentemente, eu conhecia esta história fabulosa. Meu pai, ao amenizar minha triste descoberta de que Papai Noel “não” existia, me disse algo parecido com o que a Netflix e Sergio Pablos mostraram de maneira cética. Farei com minha filha um dia. Meu inventivo pai: “existiu um carteiro altruísta que junto a um bom velhinho carpinteiro entregavam brinquedos no Polo Norte. Com duendes, renas e tudo mais.” Por muitos 25 de dezembro, teremos esta obra como clássico natalino.