“Em silêncio” (2011), de Hwang Dong Hyuk
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9.4

Onde: Netflix

 

Assim como em “Spotlight” (2015), de Tom McCarthy, “Em silêncio” (2011), do genial Hwang Dong Hyuk, criador do sucesso “Round 6” (2021, Netflix), conta com a ajuda de profissionais engajados da comunicação que investiram seu tempo num trabalho investigativo profundo e conseguem assim levar um pouco de justiça a muitas famílias devastadas pelo abuso sexual infantil. Aqui, o diretor Hwang Dong se debruça sobre o livro “The Crucible” (2009), da escritora Gong Ji Young, e mostra de maneira gráfica, violenta e penosa como eram os abusos reais e absurdos sofridos por alunos surdos e especiais de uma escola em Gwangju, na Coreia do Sul, entre 2000 e 2004. Cruel, mas necessário.

Se o público se impacta com a visceralidade de “Round 6”, é melhor rodar “Em silêncio” com bastante cautela, pode haver algum momento em que você vire os olhos devido à escala de imediatismo criminoso que nos é trazida à luz. Vale dizer que a intenção do diretor não é apenas nos colocar como vítimas, mas também como espectadores calados, que fingem não ver o caos social à porta e que não fariam (ou não faríamos) nada mesmo com a ciência de tal situação. Tanto que o “barulho” de indignação das crianças mudas no tribunal é algo sufocante, como um urro de socorro que nós não produziríamos. Porém Hwang Dong exibe a inércia de uma sociedade suja e viciosa em meio a uma elite sul-coreana que envolve instituições sólidas daquele país, como algumas delegacias, igrejas e escolas renomadas. Todos cientes do abismo humano que havia ali, mas todos mudos.

Graças à forma impecável como aborda o tema; tanto livro, quanto filme chegam ao seu destino comum: alterar as leis que tratavam de abuso sexual infantil na Coreia do Sul. O choque social e a discussão da mise-en-scène aqui é algo fácil de se compreender. O alarme que o diretor desperta causou polêmica com o público coreano, mas foi incrivelmente preciso. “Sou pastor e sou um cristão fiel”, esta frase parece resumir e camuflar o comportamento de monstros que tentam ainda se esconder atrás da fé: cegando muitos dentro da comunidade.

Aqui seguimos um professor (o excelente ator Gong Yoo) que, após ser indicado por um grande catedrático, tem como missão ensinar artes plásticas numa escola de especiais e de deficientes auditivos. A câmera e a foto sempre em closes tornam tudo muito intimista. Não tarda e o novato logo descobre os abusos que vinham de diretores e de outros professores. A lição ao público fica a cargo da rapidez com que age o personagem de Gong Yoo. Um tapa na nossa cara. Rapidamente ele se revolta e protege uma turma inteira. A trama segue a tribunais e ganha disputas interessantes, nunca se perdendo da premissa horripilante.

Jornalistas, escritores, profissionais da comunicação desenvolvem cada vez mais papéis importantes ao público quando imbuídos do desejo de apurar casos intocáveis pela polícia, Ministério Público e mesmo a Igreja. “Em silêncio”, ainda que com suas cenas fortíssimas, chega ao final com um ar de “Spotlight” e de qualquer obra que possa ter positivamente ajudado a sociedade a atingir resultados eficientes para todos sem exceção.