É difícil defender qualquer coisa num momento do mundo em que ninguém quer refletir sobre nada. Todos são ou contra ou a favor. Não importa o assunto. Ninguém se dá o benefício da dúvida. Pode gostar, pode desgostar, pode amar, pode detestar. Pode tudo. Mas também se deve pensar, parar, olhar, analisar e se perguntar: e se não for bem isso?
Defender algo atualmente se tornou muito difícil pois é bem mais fácil atacar. E é atacar por atacar. Seja na política, no futebol ou na música. Os ataques vêm de todos os lados. E são muitos.
O momento de inflexão que gerou a inspiração para esse texto foi quando, num grupo de música no WhatsApp, se perguntou se alguém ia ao show dos Los Hermanos no dia seguinte. As respostas não vieram entre sim e não. Vieram com críticas ferrenhas à banda, mais do que críticas: ataques. E não havia nenhum sentido para aqueles ataques.
A primeira resposta foi: “nem de graça ou se me dessem R$ 10 mil, eu iria”. E, encorajados, os demais membros do grupo começaram a destilar ódio contra a banda. Reiterando, está mais do que permitido, obviamente, não gostar da banda, do som, dos músicos, do estilo etc.
Não é difícil reconhecer que existe banda de estúdio e banda de palco. Técnica é uma coisa, presença é outra. Normalmente o que faz um show ser foda é muito mais a presença do que a técnica. Mas muita presença sem hits o suficiente não segura um show superior a 15 minutos.
Voltando aos Los Hermanos. Está longe de ser uma banda com uma presença de palco absurda, muito menos de uma técnica sobrecomum. Há, no entanto, algo ali que causa estranheza. Não dá pra saber se é o estilo e a originalidade — questionável — do som, ou se é o hype, o louvor que se criou em torno da banda num momento da história, ali entre 2001 e 2006. Entre o Bloco do Eu Sozinho e o Quatro, com o Ventura ali no meio.
Já eram passados anos e mais anos do hit Ana Julia, que explodiu até na Argentina. Uma música chiclete e que a própria banda deixou de mascá-la por muito tempo. Eram muito mais legais os outros hits escolhidos pelos “fãs radicais” do grupo como Pierrot e Azedume.
Os caras foram indo. O Ska deixou de estar presente, o samba e as marchinhas ganharam protagonismo. Mantiveram um rock aqui, um Mr. Bungle ali, puxaram umas coisas meio do além. À medida que amadureciam, que deixavam a adolescência tardia, o som mutava. Outras influências surgiam como Noel Rosa e Chico Buarque, e outras permaneciam como Weezer. E assim foram construindo a curta discografia de quatro álbuns.
O que eles conseguiram nesse intervalo de quatro discos foi construir um público muito mais do que uma obra musical vasta. Público esse bem específico. E foi aquilo que se viu no Maracanã no sábado, 4 de maio de 2019.
Esses quatro álbuns eram compostos por hits do início ao fim e o mais legal, pra quem observa a banda, é que eles não foram produzidos pensados em se tornar hits, não teve nenhum movimento de marketing que forçasse a veiculação nas rádios ou outros veículos audiovisuais da época como a moribunda MTV ou o recém nascido YouTube pra converter cada música num hit. Quem converteu cada faixa num hit foram os fãs e a sua devoção quase religiosa que transformaram os show dos caras num verdadeiro culto neopentecostal. E isso não é uma crítica, embora pareça.
E foi isso que aquelas mais de 40 mil pessoas que estiveram presentes no Maracanã fizeram. No show, uma banda que não lançava nada desde 2005. Foram 14 anos até lançarem uma música. E isso intriga muito. A banda acabou, voltou, voltou de novo e novamente. Mas só lançaram uma música nesse hiato. E a fé era a mesma de seus fiéis.
Mas é inquietante como os Los Hermanos conseguiram reunir tanta gente num show. Uma banda triste-alegre, agridoce, que fala de coisas fofas de velhinhos e de paixões da puberdade.
Musicalmente, embora não apresentassem nada novo, excetuando um single, a banda fez o que já tinha feito em outros lugares do Brasil e do Rio de Janeiro, mas aquele quatro de maio de 2019 vai ficar pra história porque alguns ícones do Rio de Janeiro se fundiram em um só: Los Hermanos, o público carioca e o Maracanã.
O difícil é escolher o ponto alto. A abertura? Quando obviamente mal se ouvia a banda o todos pulavam como se não houvesse amanhã. Sentimental? Quando todas as luzes se apagaram e só se viam lanternas dos celulares em todo o anel do estádio. O final? Quando ninguém queria acreditar que aquelas quase duas horas tinham passado numa velocidade que provava a relatividade do tempo.
O ponto é esse: tal como as faixas de todos os seus álbuns, o show foi um hit só. É difícil lembrar qual banda conseguiria isso e ao mesmo tempo colocar tanta gente no Maracanã.
Um show dos Los Hermanos virou algo fechado em si. O público é tão protagonista ou mais do que a banda. Sempre foi assim, mas no Maracanã a coisa muda de escala. A régua é outra. A discussão sobre o som nem cabe mais. Os caras provaram ser muito amados, muito cultuados e isso é bem difícil atacar.