Um dia após o último trabalho de Karim Aïnouz ter sido coroado na mostra Um Novo Olhar (Un Certain Regard) no Festival de Cinema de Cannes, revisitamos seu filme de estréia, “Madame Satã”, que foi apresentado em 2002 e teve reações divisivas na Croisette.
O filme nos mostra eventos retratados em um recorte específico e pouco cinematográfico na vida de João Francisco dos Santos, na época em que passou a ser conhecido como Madame Satã nas noites boêmias da Lapa, no Rio de Janeiro.
Com um Lázaro Ramos sublime em seu papel de estréia no cinema, Aïnouz retrata aqui um personagem mítico da boemia carioca, avançado em seu tempo. João Francisco apresentava um orgulho gay longe dos estereótipos e fortalecido pela oposição frente à personagem que lhe faz companhia chamada Tabu (Flavio Bauraqui), pontuando bem o trabalho de autor do cineasta em seu longa de estréia.
A fotografia de Walter Carvalho rabisca a intensa vida do protagonista na noite e mergulha em sua podridão e marginalidade, e seu uso de cores é sublime junto com os números musicais (destaque para o número realizado pela personagem de Renata Sorrah no início do filme).
Estes são elementos que fortalecem o universo que Aïnouz nos apresenta, com cenas intensas e bem filmadas de sexo homossexual que causaram reações divisivas na época em Cannes, comprovando o caráter inovador que aquele cineasta cearense trazia ao cinema naquela época, e quase duas décadas depois foi coroado no mesmo balneário francês.