Paulo AmaralOnde: Cinemas (logo vem a algum streaming)
Com uma direção contemplativa, planos gerais e abertos, e uma atuação formidável e imersiva da magnífica Frances McDormand, a diretora chinesa Chloé Zhao apresenta uma das melhores obras de 2020; senão a melhor. “Nomadland” é lindo, paisagístico, intimista (mesmo com a câmera distante), espiritual, escapista e, de fato, nada convencional.
A paixão absurda por sua simples van, pela estrada sem fim, mesclada ao pavor de se deitar numa cama sob um teto definem o destino, o estilo e a busca de um propósito de vida – talvez inexplicável – da incrível e intrigante Fern, transformando-a numa nômade de fato.
Num tom melancólico, a obra acompanha a professora Fern, que, após a morte do marido e o desastre da economia no local em que morava, cai na estrada, assumindo de fato a personagem nômade. O filme mostra a paisagem de mais de 7 estados norte-americanos, em meio a grupos que moram na estrada, suas diversas, sofríveis e encantadoras histórias.
Os trejeitos variados, a versatilidade, a habilidade em ler seu texto, o silêncio barulhento de Frances McDormand norteiam a película. Ela convence como uma mulher da estrada, da van, das paisagens. Comanda a produção. Com a câmera de Zhao, temos um ensaio profundo sobre solidão. A personagem mostra sempre estar bem, num sorriso forçoso que apenas McDormand conseguiria exibir; mas que dissimula muito do que está em sua busca e que percebemos lhe causar inquietação.
O silêncio contemplativo de alguns ambientes inóspitos parece saber muito do que se passa com Fern. Como se apenas aqueles locais entendessem a professora. Ela deseja veementemente estar na calmaria de sua van. O som magistral do compositor italiano Ludovico Einaudi, pontuando a obra, contribui para o conforto que Fern vai descobrindo existir em si, e também para a sensação de que, por vezes, não necessitamos de explicações para algumas atitudes, quando percebemos que nos falta um chão. Há uma sensação boa na proposta de acompanhar nossa Fern.