Antes que você comece a se desesperar, pode respirar aliviado: Os Novos Mutantes não é mais uma continuação da novela tosca da Rede Record. Mas é, sim, uma tentativa frustrada de recomeçar a franquia X-Men com personagens mais jovens e menos conhecidos para arrematar uma nova geração de pré-adolescentes e que mais se aproxima de “Malhação” do que de um blockbuster hollywoodiano.
Inicialmente previsto para estrear nos cinema em 2017, o filme foi retirado do calendário de lançamento para que pudesse ser re-editado e refilmado e ficasse mais assustador, já que o primeiro trailer prometia o primeiro filme de terror dentro do universo dos X-Men – uma ideia que poderia trazer frescor à franquia já cansada que culminou em duras críticas para os dois últimos episódios da saga, Apocalipse e Fênix Negra. Mas o diretor Josh Boone não deu sorte – nesse meio-tempo, a Fox, produtora do filme e até então detentora dos direitos sobre os personagens (cujos quadrinhos são da Marvel) foi vendida para a Disney, os novos trabalhos de edição e filmagem foram adiados (e cancelados), uma pandemia tomou conta do mundo (real) e o filme original acabou estreando nos cinemas internacionais agora, frustrando todas as expectativas de assistir os mutantes em um novo gênero.
É difícil decidir o que é pior – o roteiro, a direção ou os sotaques falsos do elenco. Começando com o primeiro, o filme demora uma eternidade a engrenar – durante quase uma hora, somos obrigados a ver os adolescentes começando a interagir com a novata e os traços das personalidades estereotipadas de cada um nem se sustentam até o final. O festival de clichês fica presente do começo ao fim, com soluções risíveis para os conflitos do filme e acontecimentos que não fazem o menor sentido.
O enredo não exige muito: presos em um antigo hospital (que apesar de ficar em um prédio velho, misteriosamente tem um sistema de tranca moderníssimo controlado a distância por uma única pessoa, e no meio dos anos 90, época em que o filme se passa), adolescentes mutantes com super poderes são facilmente manipulados por uma médica que os resgatou sem a menor explicação em sessões de terapia diárias que duram 5 minutos e punições entediantes. Até que, com uma facilidade impressionante, uma delas decide colocar sonífero no chá da médica (onde ela conseguiu? Não sabemos) e eles finalmente ficam livres para… brincar no corredor com uma cadeira de rodas e tocar pandeiro em uma sequência musical.
A médica, interpretada pela brasileira Alice Braga (que pelo menos não tentou forçar um sotaque diferente), responde à uma empresa misteriosa de que nada sabemos, através de mensagens que ela recebe em um computador de última geração até para os dias atuais. A dualidade da personagem nunca é esclarecida, e ela é provavelmente a pior vilã a já aparecer em um filme de herói – após ser ferida, ela se arrasta sangrando no chão e… pega o microfone do hospital para dar uma aula aos mutantes sobre responsabilidade (além de inexplicavelmente retomar forças suficientes para usar seus poderes nos 5 jovens).
A direção esquizofrênica não ajuda nem um pouco e tudo nela é ruim: o cenário, o clima nada assustador (definitivamente não é um filme de terror, até o mofo que aparece nos legumes da minha casa assustam mais), a falta de coerência e os monstros vestidos como mafiosos cubanos que vivem em Miami.
O elenco é decente mas sofre com a falta de desenvolvimento dos personagens e a ausência de um diretor competente. A protagonista Blu Hunt não consegue passar carisma e infelizmente não parece pronta para um papel tão importante no que deveria ser uma superprodução. Maisie Williams já provou em Game of Thrones que é uma excelente atriz, mas fica perdida entre tentar amenizar o sotaque inglês e fazer papel de fofa. Charlie Heaton, queridinho de Stranger Things, (onde conseguiu trocar bem seu sotaque inglês nativo por americano) falha miseravelmente ao tentar reproduzir a forma como americanos do sul do país falam, mas ao menos passa a ideia do quão perturbado seu personagem é. O brasileiro Henry Zaga, já conhecido por participações nos sucessos da Netflix 13 Reasons Why e Trinkets, felizmente não tenta competir com o sotaque brasileiro de Alice Braga e rende alguns dos melhores momentos do filme – mas vira o estereótipo brasileiro de gostosão e acaba servindo como isca adolescente em cenas de (semi) nudez. Quem acaba realmente brilhando é Anya Taylor-Joy, cuja personagem é mais interessante e poderosa do que todos os outros juntos, o sotaque do leste europeu é consistente e ela mostra o porquê de já estar protagonizando filmes de época aos 24 anos (ela estrelou a versão mais recente de Emma, baseado no romance de Jane Austin).
Poucas coisas salvam em Os Novos Mutantes, mas, entre elas, os efeitos especiais que não decepcionam para um filme de orçamento mais baixo, e a primeira história de amor lésbico em um filme de superheróis, mas que acaba desperdiçada em meio a tantos erros grotescos e momentos tão clichê a ponto de revirar os olhos.
Uma oportunidade certamente perdida que não faz jus aos interessantes quadrinhos ou ao brilhante começo da saga X-Men no ano 2000, especialmente com seus dois primeiros filmes e toda o simbolismo por trás do enredo. Se esses 3 anos de espera valeram por alguma coisa, foi para imaginar que a pessoa que decidiu refazer o filme deve estar segurando um aviso de “eu avisei”.