PALOMA (2022), de Marcelo Gomes
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Considerando a hibridização do cinema: como instrumento documental-histórico de uma determinada época e veículo educador e transformador social, ao nos propormos refletir sobre uma obra, é essencial considerarmos o prisma psicanalítico, discursivo, sociocultural e sociológico da mesma. Desta forma, a experiência do cinema se transpõe para a vida à medida em que nos permite questionar, aprender e empatizar a partir de uma situação proposta.

Mesmo acompanhando as mudanças sociopolíticas de nosso tempo, a produção cinematográfica em geral ainda carece da recorrência de narrativas inclusivas que não se caracterizem pela unilateralidade do retrato da opressão.

O retrato de personagens marginais sob a ótica inclusiva voltada para a humanidade ainda configura como exceção. “Paloma” é uma dessas memoráveis exceções. O diretor Marcelo Gomes, através de um olhar extremamente humano, sensível e refinado, consegue denunciar a gravidade de atos, discursos de ódio e preconceito de forma cirúrgica sem, contudo, reforçar a narrativa opressora.

Seu posicionamento crítico é inclusivo, através da normatização de corpos e relações. Logo nos primeiros minutos de filme já percebemos o cuidado e carinho despendidos à sua protagonista. Paloma (interpretada pela talentosa e apaixonante Kika Sena) é uma mulher trans que está apaixonada por Zé (Ridson Reis). Eles formam um casal feliz, trabalham, dividem a casa, as contas, a cama.

Tudo vai bem até o momento em que Paloma, romântica e religiosa, tem o desejo de se casar na igreja, com direito ao pacote completo: vestido branco, véu e grinalda. Mesmo devota, por ser uma mulher trans, se depara com a proibição impositiva religiosa.

A partir de então, embarcamos junto à Paloma pela luta por seus direitos básicos e pela transgressão da posição marginal que lhe foi atribuída por uma sociedade hipócrita e preconceituosa.

O arco narrativo se amplifica diante da luta de Paloma pela manutenção de sua integridade e individualidade. Bondosa, amorosa e pura, é impossível não se comover com o misto de emoções que a preenchem diante da constatação da realidade opressiva de um coletivo imutável.

Entretanto, tamanha benevolência não fragiliza a natureza transgressora da personagem, mas a fortalece, já que Paloma conhece os dois lados da moeda e é através de sua força que lutou e permanece lutando para garantir a autonomia de sua trajetória.

A narrativa inclusiva de Marcelo Gomes retrata milhares de mulheres trans que como Paloma, lutam pelo direito do exercício de sua individualidade. Nesse sentido, o filme já sucede ao quebrar a quarta parede entre ficção e realidade. A atriz Kika Sena foi a primeira mulher trans a vencer o Troféu Redentor de Melhor Atriz no Festival do Rio de 2022, além do longa metragem ter sido selecionado para a pré-seletiva de representantes ao OSCAR 2023. A reverberação e reconhecimento de um trabalho tão forte, bonito e significativo  como “Paloma” no atual cenário cinematográfico valida a luta de sua protagonista.

 

Paloma – Trailer

Diretor: Marcelo Gomes Paloma é uma mulher trans que está decidida a realizar seu maior sonho: um casamento tradicional, na igreja, com o seu namorado Zé. Ela trabalha duro como agricultora numa plantação de mamão, e está economizando para pagar a festa. A recusa do padre em aceitar seu pedido obrigará Paloma a enfrentar a sociedade rural.