Hoje, dia 19 de junho, é considerado o dia do cinema brasileiro. Poucos sabem o porquê de se comemorar essa data hoje: em 19 de junho de 1898 foram registradas as primeiras imagens em movimento da entrada na Baía de Guanabara por Afonso Segreto, que voltava da Europa após fazer um curso de operação de cinematógrafos, e assim registrou sua chegada ao Rio de Janeiro.
De 1898 para cá, muitas imagens marcantes foram registradas pelo cinema brasileiro, que mais do que ninguém hoje pode nos ensinar o que significa o distanciamento social, já que pouquíssimos brasileiros se aproximam de sua filmografia ao longo de todos os anos, como se o cinema nacional sofresse de uma quarentena imposta.
Uma década após a chegada de Segreto, que junto com o projetor do irmão Pascoal acabou abrindo as portas pro cinema brasileiro existir, o cinema daqui se popularizou através dos cinejornais, e a maioria dos filmes era produzidos pelos próprios exibidores e dramatizavam casos de crimes de grande repercussão, como por exemplo o filme “O Crime da Mala” (1908), dirigido por Francisco Serrador.
A ERA DOS GRANDES ESTÚDIOS
Após a expansão do número de salas por outras cidades na década de 20, em 1930 é criado o primeiro estúdio de cinema brasileiro, a “Cinédia”, que chega ao mesmo tempo que o som chega às salas, o que ajuda a popularizar internacionalmente a figura de Carmen Miranda, que após o sucesso do filme “Alô, Alô Carnaval” (1936), de Ademar Gonzaga, acaba sendo contratada para filmes em Hollywood.
Outros dois grandes estúdios nascem no Brasil na década de 40: a Atlântida Cinematográfica, uma das mais bem sucedidas no Brasil explorando o gênero das chanchadas, explorando bastante a fama da dupla de humoristas Oscarito e Grande Otelo, e teve seu ápice com “Matar ou Correr” (1954), de Carlos Manga, que brincava com o gênero da moda na época, o faroeste.
No fim da década de 40, foi criado também o estúdio Vera Cruz, que apostava mais em dramas de relevo como uma aposta de solidificar uma indústria do cinema nacional aos moldes de Hollywood, e teve no filme “O Cangaceiro” (1953), de Lima Barreto (o filme que deu início ao gênero do cangaço em nosso cinema), seu grande representante que chegou a ser vendido para a Columbia Pictures e rodou mais de 80 países.
O CINEMA NOVO
Porém, a saúde destes estúdios durou pouco, e nos 60 o cinema nacional buscou o caminho oposto do que vinha produzindo em escala até aqui, buscando uma estética puramente brasileira, seguindo assim uma onda do cinema internacional com a criação da era do Cinema Novo brasileiro, que despontou com o filme “O Pagador de Promessas” (1962), de Anselmo Duarte, que venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes e foi o primeiro filme a ser indicado ao Oscar.
Outro grande nome desta época de grande efervescência criativa do cinema nacional foi o diretor Nelson Pereira dos Santos, que surge com alcance internacional através de “Vidas Secas” (1963), filme que ilustra bem as propostas cinematográficas do Cinema Novo para o mundo na esteira do sucesso internacional de “O Pagador de Promessas”.
Mas o grande nome do Cinema Novo foi o cineasta Glauber Rocha, que também ganhou o mundo com “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) no mesmo Festival de Cannes, com sua estética própria que refletia a cosmologia do cangaço com um tom político acentuado em sua narrativa, muito inspirada principalmente nos conceitos da Nouvelle Vague francesa.
No fim da década de 60, com a instauração do golpe militar através do AI-5, o Estado passa a interferir diretamente nas obras produzidas no Brasil, com a criação da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), o que exigiu a criatividade dos cineastas brasileiros para terem suas produções aprovadas para exibição nas salas de cinema.
Uma resposta a isso se deu principalmente com o cinema marginal brasileiro, representado pelo filme “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), de Rogerio Sganzerla, e teve um grande braço na Boca do Lixo em SP, que teve como um de seus principais expoentes o filme “As Libertinas” (1968), de Carlos Reichenbach, Antônio Lima e João Callegaro, filme que teve bom sucesso comercial apesar dos baixíssimos custos de produção.
Outro movimento que surge nessa esteira é o tropicalismo, que usava de várias licenças poéticas e metáforas para ilustrar a situação política do Brasil, tendo em “Macunaíma” (1969), de Joaquim Pedro de Andrade seu maior representante, que representa o país através da terra Pai da Tocandeira criada no livro ao qual foi adaptado. Mas com a crise econômica provocada pelos anos de ditadura militar, o cinema nacional passou a sofrer mais para conseguir arcar com suas produções, tentando sobreviver através de festivais e tendo em “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976) um dos raros casos de sucesso de bilheteria neste período, levando mais de 10 milhões de pessoas aos cinemas na época.
A ERA DA RETOMADA E O ESTÁGIO ATUAL
Neste rastro o cinema se arrastaria pelos anos 80 nesta mesma toada, com alguns bons filmes produzidos aqui e ali, mas somente no meio dos anos 90 o cinema começaria a recuperar sua saúde financeira através da Lei do Audiovisual, tendo em “Carlota Joaquina, a Princesa do Brazil” (1995), de Carla Camurati, o marco da chamada Era da Retomada.
Após isso as Organizações Globo criam seu braço cinematográfico, a Globo Filmes, conseguindo assim aos poucos seu reposicionamento internacional, que após ter alguns filmes indicados ao Oscar tem seu marco com “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, uma co-produção brasileira com a França que alcança vários festivais e alça não só o filme como a atriz Fernanda Montenegro ao cenário do cinema mundial, ao ser indicada ao Oscar de melhor atriz.
Porém, é com “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles que a Retomada alcança seu auge, que condensava o cinema político de outrora numa linguagem mais acessível e ampla, gerando sucesso comercial não só para ele como para outros filmes do mesmo gênero que viram depois, de “Carandiru” (2003), de Hector Babenco, até o estrondoso sucesso de “Tropa de Elite” (2007), de José Padilha.
O cinema nacional com isso expandiu para outros gêneros, especialmente as comédias adaptadas da TV e teatro, como por exemplo “Minha Mãe é Uma Peça” (2013), e abriu para outras praças de produção, tendo como um dos seus maiores expoentes o cinema pernambucano a partir de “O Som ao Redor” (2012), de Kléber Mendonça Filho, um cineasta que ganharia fama nacional e internacional anos depois com “Bacurau” (2019), premiado pelo júri no Festival de Cannes.
E AGORA?
Porém, nada disso foi capaz de tirar o cinema nacional da quarentena de forma sustentável para além de fenômenos de bilheteria de tempos em tempos nos cinemas, e hoje ele se aproxima de um lockdown pela oposição do atual Governo Federal a dar continuidade a políticas públicas voltadas ao cinema nacional, o que fatalmente fará o cinema nacional regredir pelo menos uns trinta anos se este processo se continuar.
Para além do fomento, datas como a de hoje servem para se debater como fomentar a cultura na população para dar maior força à sustentabilidade do cinema nacional enquanto uma política consolidada que gera recursos e empregos ao país, como começávamos a alcançar até uns dois anos atrás mas em nenhum momento o cinema nacional soube vender seu peso econômico para o cenário político brasileiro.
Dizem que das crises é que surgem oportunidades, e esperamos que o cinema nacional consiga se rearticular para sair dessa e não deixar a peteca cair no segmento, e conta com todo nosso apoio não apenas no dia 19 de junho mas em todos os dias pela integração gradual do cinema nacional ao público brasileiro após tantos anos de distanciamento social provocado por tantos anos.