"Thor: Love and Thunder" (2022) de Taika Waititi
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7.9

Onde: Cinemas

 

Em 2011, durante a última noite do retorno do Rock in Rio, AxlRoses e sua banda, o Guns N’ Roses, atrasaram cerca de uma hora e meia para iniciar o show. O público teve que aguentar um temporal ao longo de todo esse período de espera. Isso sem contar todos os perrengues ao longo do dia para ver o ídolo. Quando o show começou, os súditos de Axl esqueceram de tudo até ali e o louvaram como o ícone do rock que é. Isso tudo não foi exclusividade daquele show. Axl aplica essa peça constantemente em suas apresentações.

Se pegarmos esse modus operandi de Axl e outros rockstars e aplicarmos diretamente ao que Thor: Amor e Trovão nos mostrado comportamento dos deuses, talvez a escolha do diretor TaikaWaititi pelo Guns na trilha sonora não seja apenas pela linguagem “hard rock anos 80”. Logo na cena de abertura, vemos Gorr, personagem de Christian Bale, suplicando pelo amor e cuidado do seu deus para salvar a filha. Quando a pequena morre desidratada, Gorr encontra o todo poderoso em um oásis, do alto de sua soberba e pronto para dizer: eu não dou a mínima para você.

Com o Zeus de Russell Crowe, as semelhanças ainda beiram o físico. Um astro que já foi galã, Gladiador, e que hoje se encontra longe da forma física “exigida” para tal. Zeus é o próprio rockstar de outrora, com uma plateia cheia de fãs esperando a sua aparição, que já teve um passado glorioso, mas que hoje vive recluso ao seu clube particular.

Essa é apenas uma das camadas que Waititi coloca nessa comédia, com toques românticos, encabeçada pelo Deus do Trovão.

 

Thor e a Poderosa Thor

 

Seguindo os eventos do final de Vingadores: Ultimato, Thor está com os Guardiões da Galáxia, mas precisa se enfiar em uma missão para deter Gorr, que, após a morte da filha, decide matar todos os deuses. No meio do caminho, Thor reencontra Jane Foster, agora com os poderes de Poderosa Thor.

Ainda na órbita dos Deuses, Amor e Trovão retoma o papo do papel de Thor dentro desse grupo. No primeiro filme, a jornada shakespeariana de Kenneth Brannagh tem o clássico “ser digno ou não ser”, já Mundo Sombrio e Ragnarok vão mostrar o papel de Thor para Asgard e seu povo, o peso da liderança e a responsabilidade dele como ser poderoso. O quarto filme tenta pegar esse personagem, quebrado após diversas perdas e derrotas, para mostrar que mesmo com todos os poderes do universo, qualquer um precisa do amor e companheirismo para seguir em frente. Esse é o fator que pode diferenciar Thor e Asgard de Zeus ou outros deuses caçados por Gorr.

Toda essa ideia para o herói e a jornada do vilão acabam batendo de frente com o grande problema de Thor: Amor e Trovão: o tom exagerado da comédia do filme. Waititi já havia mudado completamente o personagem sisudo para um Deus mais debochado e humano em Ragnarok. Inclusive, a cena do flash back de Thor e Jane serve basicamente como uma explicação para essa humanização do personagem. E assim como em Ragnarok, é difícil nos apegarmos aos dramas apresentados devido ao tom bobo e piadista de todos os personagens. A emoção mais genuína acaba sendo mais do vilão, personagens que a Marvel poucas vezes explora bem, do que do casal de heróis e seus companheiros.

Essa falta de equilíbrio faz da primeira parte do filme um grande emaranhado de esquetes e situações pouco inspiradas. Toda a parte dos Guardiões da Galáxia é desinteressante e no automático. Uma inserção de mais elementos Marvel desnecessários para a trama, assim como vimos com os Illuminati em Multiverso da Loucura. Desse ponto, o filme vai para a doença de Jane e ela, uma astrofísica, procurando cura pra câncer. E depois volta para o Thor. E vai para Asgard e uma repetição (exageradamente extensa!) da piada do teatrinho asgardiano com Matt Damon. Além disso, Amor e Trovão reconta o que já vimos em outros filmes diversas vezes, Korg narra outras tantas vezes as imagens que estão na tela. Tudo isso empobrece o filme e torna toda a introdução uma paródia de si mesma.

Existem elementos interessantes ainda nessa primeira parte do filme, como Thor sendo o exército de um homem só, a figura máscula e musculosa tão presente nos filmes dos anos 80. O herói isolado que, mesmo sabendo das mazelas do mundo, precisa ser chamado pelos oprimidos para salvá-los. Essa masculinidade imaculada dos heróis ainda ganha uma ótima piada (que poderia repetir menos ao longo do filme) com Thor e suas armas. O Mjolnir, martelo que o herói perdeu em Ragnarok, agora funciona melhor pelas mãos da Thor de Jane Foster e Thor não consegue controla-lo. Dessa forma fica óbvia a metáfora fálica quando o herói para para conversar com o objeto, apoiado na mesa e com o “cabo” para cima. Já o novo machado Stormbreaker, se vê traído pelo herói, e o “abandona” na hora que mais precisa.

Esse lado humano do Deus do Trovão é, sem dúvidas, a parte mais interessante do filme, com toda a fragilidade que Thor apresenta ao ver Jane pela primeira vez ou que o quebra ao pensar em perdê-la. Esse sentimento próximo ao espectador faz com que toda a jornada até Zeus ou os acontecimentos pós-Cidade da Onipotência sejam mais fortes. Até o tom do filme parece se alinhar melhor.

 

Amor e Trovão até o final

 

É desse momento, do meio para o final, que temos uma das sequências mais interessantes já feitas no MCU, com um ambiente todo preto e branco só os elementos “mágicos” com cor. Temos ainda um diálogo realmente verdadeiro entre Thor e Jane e uma ótima luta final, que consegue surpreender por um elemento realmente inesperado e a cara do diretor.

Sendo assim, Amor e Trovão não é um filme fácil de cair nas graças do público. Por um lado, ele vai desagradar aqueles mais quadrados, que não aceitam essas desconstruções do herói másculo ou protagonismos de personagens abertamente homossexuais ou femininos. Por outro, vai pegar aqueles que não curtem o excesso de piadas bobas, beirando o pastelão, de Waititi. E ainda tem aquele público (problemático, diga-se) que só espera as referências ao futuro do MCU e que esse filme não tem escancarado.

Entretanto, Thor: Amor e Trovão é um filme que cumpre seu papel e sua ideia em ser uma comédia de heróis. Atinge grandes momentos, tem um visual incrível em boa parte dos seus setpieces de ação e é, de fato, divertido. Mas também erra nos excessos e em achar que todo mundo vai abraçar suas excentricidades. Exatamente como em um show de Axl e do Guns N’ Roses.