"Star Trek Strange New Worlds", de Akiva Goldsman e Alex Kurtzman
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9.6

Onde: Paramount+

 

Como surpreender uma fanbase das mais fervorosas depois de 850 episódios, divididos em 12 séries de TV (dentre elas, três animadas e uma de curtas) e 13 filmes? Além disso, como reintroduzir a Enterprise e sua tripulação, um dos maiores símbolos culturais dos últimos 50 anos, para uma nova leva de público e mantendo o interesse dos fãs? Essa era a tarefa árdua de Strange New Worlds, a nova série de TV do universo de Star Trek, nessa nova leva de produções que a CBS tem investido ao longo dos últimos anos.

Star Trek passou por um limbo após o cancelamento Enterprise (a série) lá em 2005. Apenas em 2011 J.J. Abrams criou uma nova versão e linha temporal para a série nos cinemas, criando épicos de ação e ficção que ajudaram a trazer de volta Kirk e cia para o imaginário popular. Em 2017, enfim a franquia voltou para a TV com Discovery, uma série com novos e conhecidos personagens, que abriu caminho para Picard e as animações Lower Decks e Prodigy. Passada antes do período da Enterprise da série original de 1966, foi na segunda temporada de Discovery que conhecemos as novas versões de Christopher Pike e Spock, protagonistas de Strange New Worlds.

Pike aliás é umas das muitas histórias que envolvem o lore de Star Trek e suas produções. O personagem seria o capitão da USS Enterprise na série original, entretanto, o episódio piloto foi recusado e o capitão de Jeffrey Hunter foi trocado pelo James T. Kirk, de William Shatner. No cânone, por sua vez, Christopher Pike permaneceu como o comandante da nave antes de Kirk, o que também foi mostrado no filme de J.J. Abrams.

Então, além de toda aquela missão lá do primeiro parágrafo, Strange New Worlds ainda precisava trazer uma Entreprise pré-Kirk e com a sua tripulação em formação.

Presente ao fã e sim ao público em geral

Logo de cara já é possível dizer que a primeira temporada de SNW é uma das melhores já feitas em todas as séries de Star Trek.

Os produtores retomaram o formato de planeta da semana das séries originais, diferente dos arcos inteiros de temporada de Discovery e Picard. Isso deu um frescor para a nova produção e aproximou ela da experiência de assistir as produções antigas da franquia. São pequenas histórias dentro da missão principal de explorar os “novos mundos, pesquisar novas vidas e novas civilizações”.

Strange New Worlds parte da visão que Pike teve de seu futuro no final da segunda temporada de Discovery, em que ele se vê em estado vegetativo após salvar membros da Frota Estelar. A série então já estabelece que Pike pode não ser eterno na cadeira de Capitão da Enterprise, criando um conflito interno do próprio personagem sobre dever ou não continuar sua jornada. Essa é apenas uma das muitas reflexões sobre humanidade que essa temporada estabelece.

Star Trek, a série original, foi um marco na TV aberta americana. Em plena Guerra Fria e discussões pelos direitos civis nos EUA, colocou uma tripulação diversa para comandar a nave mais importante da Federação dos Planetas Unidos. Um piloto japonês, uma oficial de comunicações negra, um russo que controlava as armas, um alienígena expert em ciência e que questionava as atitudes humanas e, claro, o destemido capitão-caubói americano. Além disso, trazia metáforas de conflitos diplomáticos ou situações do universo que remetiam diretamente ao que acontecia na Terra não ficcional em que era transmitida a série.

Strange New Worlds segue à risca essas ideias criadas há mais de 55 anos por Gene Roddenberry. Já no primeiro episódio vemos um conflito em que Pike precisa apresentar a história da Terra para que os cidadãos de outro planeta não cometam os mesmos erros que a gente. Imagens reais e ficcionais são mostradas.

Além disso, a escalação do elenco é tão interessante e carismática quanto a da série original. Anson Mount é um Pike que remete diretamente ao galã que Kirk era, mas traz uma sobriedade e experiência que o capitão original só vai aprendendo ao longo do tempo. Já o Spock de Gregory Peck é um personagem em construção, aprendendo a ser o Vulcano que conhecemos no original, mas com traços próprios, principalmente no sex appeal. Celia Rose Gooding surpreende até os mais otimistas ao trazer Nyota Uhura em seus primeiros dias na Enterprise. O jeito doce e sempre atenta as descobertas cativam todo novo episódio. Strange New Worlds ainda traz personagens menores que já haviam sido citados nas séries antigas ou que não tiveram destaque e os faz crescer. Isso acontece principalmente com a enfermeira Christine Chapel e o médico M’Benga. Dentro dos novos personagens, o destaque é para Erica Ortegas, a incrível pilota da Enterprise.

Entre episódios que remetem a Alien – O Oitavo Passageiro ou clássicos da série, como os no holodeck e que trazem cenários fantasiosos ou do passado da Terra, Strange New Worlds alcança um tom perfeito entre a ciência e o foco na história, destaques da série da década de 60 e de A Nova Geração, com momentos de ação e tensão, que trazem o espectador mais próximo das obras pop atuais. A temporada traz histórias em que os tripulantes precisam entender o pensamento de uma entidade em um cometa, entender uma raça não aceita pelas normas da Federação, viver um conto de fadas e até uma espécie de Se Eu Fosse Você entre Spock e sua noiva, T’Pring.

O ápice

Entretanto, é no episódio final que Strange New Worlds alcança seu ápice. Em “A Quality of Mercy”, a série junta tudo de melhor da temporada e cria uma versão diferente de A Felicidade Não se Compra, colocando Pike para viver um futuro que ele não teria oportunidade, de acordo com a sua visão. Fora isso, a série faz ligação direta com um episódio da série clássic e traz personagens já conhecidos do público de forma impressionante. Uma delas, apenas por voz, deve arrepiar os fãs de Star Trek.

A primeira temporada de Strange New Worlds é uma das melhores coisas já feitas em Star Trek e também um dos grandes destaques da TV no ano até aqui. Um alto valor de produção, roteiro enxuto e o que realmente importa para a franquia: uma Enterprise imponente e que por si só já é protagonista da história, além de uma tripulação incrivelmente carismática. Star Trek sempre foi coração e um conceito de viagem espacial em família e se SNW continuar assim na já confirmada e filmada segunda temporada, a vida da série será longa e próspera.