“Sol” (2022), de Lô Politi
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9.3

Onde: cinemas

O arquiteto Théo (Rômulo Braga) rabisca alguns desenhos, visivelmente desconfortável. Duda (Malu Landim) acorda e se rende ao desconforto, questionando se seu pai está trabalhando. Quase um ano sem se ver, pai e filha tiram férias para ficar juntos. Ou pelo menos tentam. As férias são definitivamente interrompidas quando Théo recebe ligações que noticiam que seu pai, Theodoro (Everaldo Pontes), o qual não vê há mais de 30 anos, está morrendo e que questões burocráticas urgentes precisam ser decididas. A notícia faz com que Théo e Duda embarquem a contragosto rumo a Theodoro. Quando chegam, se deparam com o velho senhor fora de risco, mas sob a tutela de Théo, que opta por interná-lo em uma casa de repouso em Salvador. Assim, embarcamos em um road movie em qual três personagens são obrigadas a conviver por um longo trajeto, rumo à um pré-estabelecido objetivo/fim.

Lô Politi explora um interessante quadro de contradições humanas e simbolismos.

O sol – que intitula o longa – sob o aspecto da luminosidade e renovação, se presentifica através da figura de Sol – ex mulher de Theodoro, representada por uma estátua esculpida por ele. De certa forma, ela é colocada como o único elemento luminoso na vida do velho senhor, acima de seu próprio filho, já que Theodoro abandonou Théo e sua mãe para viver com Sol. O senhor não aceita seguir viagem se a estátua não for junto e Théo se vê obrigado a engolir o símbolo – dentro de sua concepção – razão de seu abandono. Entretanto, as situações seguintes que envolvem a estátua são supérfluas, fazendo com que a questão “Sol” seja apenas pontuada.

Ainda sob este aspecto, a personagem de Duda poderia ser a “solaridade” responsável pela quebra do gelo solidificado na relação entre pai e filho. Mas ainda que os laços de afeto entre a menina e seu avô sejam claramente estabelecidos, não são suficientemente desenvolvidos a tempo de se firmar.

Os longos silêncios das personagens contrapõem e internalizam sentimentos de raiva, rancor, decepção e abandono, reverberados através de escapes abruptos e pontuais. Por outro lado, uma vez que o filme foca nestas três figuras centrais, o material humano – o ator – é valorizado. Rômulo Braga, que vem se mostrando um dos grandes atores do cinema atual, constrói de maneira pulsante o conflito entre a fragilidade do abandono e a força da revolta. Já Everaldo Pontes, através de uma interpretação internalizada, pautada pelo olhar, causa no espectador uma oscilação de sentimentos, que vão da empatia ao julgamento condenatório.

A fotografia também é parte ativa da narrativa. Através do sertão, a diretora explora e reafirma a aridez que permeia o relacionamento das personagens, contrastando uma fotografia ampla e solar com a escassez e frieza do relacionamento dos envolvidos. Entretanto, ao mesmo tempo, somos lembrados que o solar, em sua multiplicidade, também é símbolo de prosperidade, de acolhimento, de forma que o retrato mental da imagem de felicidade que Théo guarda de sua infância é, apesar de tudo, a de um mergulho ensolarado, com seu pai.

Lô Politi traz uma sinceridade em seu discurso ao não subestimar seu público com falsas ou frágeis resoluções, de forma que a fácil redenção não se concretiza e os silêncios que permeiam o filme, por fim se justificam. Não há o que ser dito diante da constatação de um caminho que não tem volta. Mas é possível modificar o que será traçado futuramente. Apesar da falta de conexão entre pai e filha, vemos o amor que permeia a relação, através do cuidado e carinho de Théo com Duda. Desta forma, o filme não trata da redenção de Théo com relação a seu pai, mas sim do resgate da relação de Théo com Duda, sendo que a catarse da personagem de Rômulo Braga se dá com a libertação das amarras psicológicas que o impediam de estabelecer uma conexão profunda com sua própria filha. Uma vez liberto, um mergulho ensolarado pode ser sim, um dia feliz.

 

Sol | Trailer Oficial

Um pai recém-separado, que não consegue se reconectar com a filha de dez anos, é obrigado a viajar com ela para o interior do País em busca do próprio pai que o abandonou quando criança e agora quer morrer.