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8Nota da Hybrido
- Primeiramente é necessário abordar não apenas a série como um todo, mas as suas sete temporadas cercando a história de um policial corrupto chamado Vic Mackey (Michael Chiklis) que lidera uma equipe de operação especial numa delegacia sucateada em Farmington, um bairro pobre e bastante miscigenado de Los Angeles, e se utiliza de comportamentos violentos e ilegais para garantir o sucesso de suas missões e a blindagem na sua forma livre de operar nas ruas.
- Se o episódio piloto da série já nos apresenta até onde este controverso protagonista pode chegar para conseguir sua liberdade de atuação sob parâmetros éticos bastante questionáveis, a primeira temporada também nos apresenta um ampliado leque de personagens interessantes, que em sua maioria vão se desenvolvendo ao longo das temporadas da série, como os demais membros do esquadrão de Mackey, o chefe de polícia ambicioso e descendente de mexicanos Aceveda (Benito Martinez) que acaba adentrando o campo macro da política de segurança, a dupla de detetives Wagenbach (Jay Karnes) e Wyms (CCH Pounder), o recruta negro e gay, mas ao mesmo tempo evangélico e homofóbico Julian (Michael Jace), entre outros.
- Porém, a série gira em torno da figura de Vic Mackey e suas escolhas no campo pessoal e profissional, e como ele lida conforme o sistema exige dentro da linha tênue que se impões nas ruas e nos bastidores da polícia, e sempre confronta o espectador sobre situações limite que nos faz questionar a quem este tipo de combate ao crime serve ao final.
- O fator do companheirismo que Mackey usa para ligar quem o cerca a serem cúmplices da forma que ele impõe para fazer a lei funcionar para eles e para a sociedade é o grande valor que a dramaturgia da série vai corroendo a cada temporada, expondo cada vez mais o verdadeiro perfil daquele policial, um sociopata que no fundo não lida com regras e nem com as reais consequências de seus atos para ele próprio e os que o cercam quase que cegamente.
- As temporadas apontam essa corrosão progressiva do protagonista o colocando em contraposição com chefes que apóiam total ou parcialmente seus questionáveis métodos (como a personagem de Glenn Close na quarta temporada), o chefe que o confronta mas se utiliza das mesmas práticas para seus interesses pessoais (Aceveda), o membro da corregedoria que deve julgar a conduta destes policiais (personagem de Forest Whitaker na quinta temporada), e até mesmo companheiros de prática criminosa pela polícia (como o personagem de Walton Goggins, produto direto da influência de Mackey na polícia) e aqueles que o protagonista em tese combate nas ruas (como o traficante interpretado por Anthony Anderson a partir da quarta temporada).
- Talvez a única figura cuja trajetória realmente se opõe a Mackey seja a da detetive Wyms, uma mulher, veterana, negra que não admite concessões no cumprimento da lei, e não à toa é uma das que mais sofrem ao longo da temporada tanto em suas investigações como com as consequências das sujeiras daqueles que a cercam, e na reta final sendo ela a responsável por aquela deteriorada delegacia que a faz adoecer literalmente para tentar fazer a justiça acontecer na prática.
- No fundo a série trabalha as rachaduras da insígnia policial que são o símbolo das intros dos episódios, e que também representa as rachaduras sociais daquela área de Los Angeles, assim como as rachaduras do próprio sistema que produzem figuras ambíguas como Vicky Mackey, que conduz a operação policial como se fosse um chefe de gangue como os que ele persegue e negocia ao longo dos episódios.
- Para conferir força dramática a este arco narrativo, a derrocada moral de Mackey a cada temporada é lenta e perceptível para olhares mais sensíveis à linguagem cinematográfica, que unem a atmosfera daquele mundo frenético e intenso à aspectos técnicos que compõem a unidade da série como um todo, como os planos que observam através de brechas e indiretamente àquilo que “não deveria ser mostrado”, ou até mesmo o aspect ratio da série ser bem fechada para enaltecer a tensão naquele universo de crime e violência.
- A série em nenhum momento se restringe a aspectos ideológicos que amarrem a narrativa para um caminho reacionário ou crítico, optando pela ilustração daquele desequilíbrio social na comunidade alcançada por aquela delegacia, e do (não) funcionamento do aparelho estatal no cumprimento na defesa da segurança pública não só pelas escolhas morais de seus agentes, mas também pela total desconexão de finalidades entre o poder executivo com o departamento de justiça de Los Angeles.
- No mundo dos algoritmos e estatísticas que movem as peças deste jogo institucional, a série demonstra que na prática os fins justificam os meios nas ruas, e faz desta série um bom alerta deste descompassamento entre o cumprimento da lei e o efetivo dever de segurança pública através de um narrador questionável porém bastante real como Vic Mackey, perfil de um dos pilares do sucesso das séries de TV que abordam protagonistas difíceis e maus.