‘Metamorphosis’ saiu para PC, Xbox One, PS4 (versão analisada) e Nintendo Switch.
Nos últimos tempos, tornou-se comum o casamento de jogos com Literatura e Cinema. Jogos ultrapassaram o estigma de que serviam apenas para entretenimento e começaram a explorar mais narrativas que buscavam a compreensão por parte do jogador. Foram se transformando em simulacros de situações tão comuns da vida de qualquer ser humano. Com mais temas ligados a luto, solidão, amizade, relações amorosas, família e depressão, o jogador passou a formar uma consciência mais ativa e mudou até mesmo sua forma de pensar. Jogo deve não apenas divertir, assim como ser um veículo de conscientização.
‘Metamorphosis’, criado pela produtora polonesa Ovid Works, segue por esse caminho. De forma interessante, a empresa cria um jogo que se inspira fortemente na Literatura de Franz Kafka. Em potencial, dois são os livros que trazem toda a referência para o jogo, a saber: ‘Metamorfose’ (1915) e ‘O Processo’ (1925). A todo instante, o jogador estará diante de inúmeras citações a essas duas obras literárias clássicas e atemporais.
Feito em primeira pessoa, o jogo já começa com o jogador na pele de Gregor Samsa que, ao acordar de seu sono, ainda humano, se depara com mudanças nos ambientes de seu redor. Interessante ver como o personagem vai diminuindo de tamanho conforme os quartos da casa surgem, o que, realmente, passa uma sensação de estranhamento e de readaptação por parte do jogador, agora um simples inseto. Então, até para abrir uma porta, o jogador precisará encontrar um caminho viável para tal ação. Lápis podem virar rampas improvisadas, colas podem ajudar para que as patas do inseto consigam alcançar lugares mais íngremes.
Além de descobrir o que aconteceu ao seu redor, Samsa também precisa entender porque policiais estão na casa de seu amigo Josef K. Para isso, em sua minúscula forma, devará escalar armários, livros e ficar imune aos perigos em sua volta. Nesse aspecto, o jogo ganha pontos pois, apesar de chegar a um caminho X, algumas vezes as opções são as mais variáveis, das mais tortuosas até as mais fáceis.
Os detalhes dos ambientes são ricos, destacando objetos comuns do nosso cotidiano que aos olhos de um inseto viram gigantescos. O jogo também aproveita para expor outras citações literárias como livros de Dostoiévski, Marcel Proust e James Joyce que estão espalhados pelos cenários, inclusive no quarto de Josef K. Em outra parte do jogo, somos obrigados a pegar caronas em folhas de processos flutuando pelo cenário, numa oportuna associação com ‘O Processo’ de Kafka.
Mas, se os cenários são enriquecidos de detalhes, ao mesmo tempo sobram em alguns capítulos. Acabam pesando visualmente e não acrescentam tanto na rota que o inseto precisa seguir (como a última parte do jogo, infelizmente). Às vezes fica aquela sensação de que ‘há muito para se ver, mas pouco a se fazer’. O jogo não consta com um mapa dinâmico, mas apertando um botão, temos uma referência do objetivo da missão que precisamos cumprir, apesar de que o trajeto não é bem detalhado e muitas vezes o caminho do objetivo acaba perdido.
O jogo carece também de mais momentos com plataforma, fãs do gênero podem se decepcionar um pouco. Por ser em primeira pessoa, o pulo pode não ser preciso em certas ocasiões, de qualquer forma, isso não é aspecto de todo ruim uma vez que o jogador retorna ao lugar do pulo anterior (ou ao checkpoint mais próximo). Nada de inimigos ou de combates, o jogo é completamente baseado na observação/exploração. Em certos capítulos, há algumas submissões que são necessárias para se chegar a missão principal. Para isso, conversar com outros insetos pelos cenários é importante para ganhar maiores informações, compreender o objetivo e dar seguimento à narrativa.
Mesmo com alguns problemas na jogabilidade, da possibilidade do jogador ficar perdido em alguns objetivos e de um não aproveitamento mais abrangente de certos cenários, ‘Metamosphosis’ ganha pontos ao trazer a Literatura para dentro dos videogames, pelo surpreendente toque surreal/fantástico, por incluir personagens de traços fortes, ser repleto de diálogos inteligentes (como na sala do advogado de Josef K) e embutir todo um discurso político-social em sua trama. O jogo tem legendas em português, o que ajuda bastante na compreensão maior da narrativa para muitos jogadores.