Que a Tailândia é uma das locações preferidas para ressacas homéricas, isso a gente já sabe há algum tempo. Partindo desse princípio, The Flight Attendant vem apenas colocar um pouco mais de caos nesse já naturalmente fortíssimo coquetel. A comissária do título é Kaley Cuoco (ela mesma, das comédias 8 Simple Rules e The Big Bang Theory). Em TFA, Kaley é Cassie Bowden, uma alcoólatra funcional que vive testando os limites da disciplina e do vício, e que acorda ao lado do corpo ensanguentado de um bilionário russo, degolado num quarto de hotel em Bangkok. Cassie se revela um desastre no doloroso processo de tomada de decisão sob pressão que se segue e é justamente a “presença” de Alex Sokolov – deliciosamente interpretado pelo onipresente, digo, producente Michiel Huisman, (Nashville, Orphan Black, Game of Thrones, Treme) – que lhe ajuda a montar o doloroso quebra-cabeças de flashbacks para preencher as lacunas da sua falha memória alcoolizada.
O piloto passa voando (perdão pelo trocadilho). Nos episódios seguintes tudo se transforma num alucinante espiral de eventos que por vezes parecem muito mais aleatórios que o necessário. A gente meio que se perde entre tanta informação nova e alguma previsibilidade, com amigos e colegas de trabalho de Cassie sendo sugados para o redemoinho de furadas consecutivas que as decisões de Cassie obviamente provocam (e que chegam a nos testar a paciência, confesso) além das revelações sobre os dramas familiares da intensa protagonista. E nesse ponto você finalmente entende a que eu me refiro quando disse que a coisa fica um tanto caótica, mas isso significa que fica menos interessante? Não para mim!
O roteiro até parece uma colcha de retalhos bem cliché mas acaba funcionando bem ao se apropriar de premissas críveis (sorry, Bangkok, não quero te estereotipar). Me arrisco até a dizer que é um tanto óbvio que, no fim, possamos dizer sem exagero que o contrapeso de tantos plot-twist jogados tão avidamente num só roteiro seja justamente a atuação de Kaley Cuoco. Ela nos entrega uma Cassie que viaja elegantemente entre o drama e a leveza (dos traumas de infância à “maturidade” festeira e irresponsável da aeromoça), apoiada claramente em sua veia cômica. Claro que eu não deixaria passar em branco a participação de Michelle Gomez (Doctor Who, O Mundo Sombrio de Sabrina) – sendo muito a anti-heroína de sempre, eu sei, mas por isso mesmo tão adorada por essa whovian que vos escreve – e de Zosia Mamet (Mad Men, Girls), assim como de Rosie Perez, relegada a papéis (bem) menores desde Homens Brancos Não Sabem Enterrar e ressuscitada com louvor no super-questionável Birds of Prey.
Para quem procura um entretenimento descontraído, TFA é um caos divertido. Antes mesmo dos também divertidíssimos créditos de abertura, somos surpreendidos com versos incidentais cantados em bom português logo nos primeiros minutos do piloto introduzindo uma trilha sonora que tem pitadas de Lizzo, Dua Lipa e Courtney Love. A produção um tanto Hitchcockiana é bem caprichada, as locações (NYC, Roma e Bangkok) e a fotografia são deslumbrantes, o ritmo é questionavelmente frenético e as reviravoltas do roteiro podem até provocar jet-lag (afe!), mas no fim, o fato é que demora um pouco, mas depois que decola (ops!) a gente não desgruda os olhos da tela. E também é fato que os plots se amarram de forma surpreendentemente satisfatória, deixando a aterrissagem mais suave do que o esperado (perdão novamente).