Onde: Cinemas
Em certo momento de O Homem do Norte, me peguei pensando em Thor: Ragnarok. Por mais absurdo que isso pareça, a verdade é que o filme de Taika Waititi injetou mais de “cultura nórdica” no pop atual do que imaginamos. Se você assistiu a terceira aventura do Deus do Trovão, com certeza vai chegar ao novo filme de Robert Eggers já familiarizado com Valquírias, Valhalla, Fenrir e outros termos utilizado na mitologia viking.
O diretor chega ao terceiro filme cada vez mais a vontade no posto, não à toa recebeu elogios efusivos de ninguém menos que Alfonso Cuarón, que exaltou, entre outras coisas, a imersão do filme. “Você está lá. Você está respirando junto com aqueles atores”, disse o diretor de Gravidade, Filhos da Esperança e Roma.
Robert Eggers, assim como Cuarón, é um mestre da imersão. Seus dois filmes anteriores, A Bruxa e O Farol, se tornaram queridinhos do público e crítica exatamente por esse aspecto. Ambos não possuem roteiros mirabolantes, mas trabalham elementos como a cinematografia, o som, a maquiagem e os efeitos especiais como uma experiência sensorial para o espectador. A Bruxa traz a lentidão na construção da tensão e ambientação do terror. Já O Farol brinca com elementos fantásticos e a fantasmagoria utilizada no teatro e no início do cinema para bagunçar com o psicológico dos personagens e do público.
Com O Homem do Norte, Eggers cria uma obra que flerta com o cinemão épico, mas nunca deixa o lado indie escapar das rédeas. Os enquadramentos centralizados e os closes nos personagens, que o diretor tanto ama, estão lá, assim como a trilha sonora marcante e os elementos de terror. Entretanto, a escala da produção é maior e é notório que ele pôde se aproveitar da “fama” para ter uns trocados a mais, levar a produção para cenários reais e contar com mais um elenco com grandes nomes.
Northman e a ação de Eggers
O grande destaque de atuação em O Homem do Norte é Alexander Skarsgard, que interpreta Amleth, um homem em busca de vingança daquele que matou seu pai, o rei Horvendill. Skarsgard, assim como Robert Pattinson em O Farol, entrega uma atuação física que nos faz acreditar em cada movimento ou rituais pelos quais o personagem passa. Há uma breve cena, em que o ator encara um cão raivoso, que é a prova disso. Aliás, a lenda viking de Amleth inspirou Shakespeare a criar Hamlet e Robert Eggers deixa isso bem óbvio na tela, principalmente com as atuações de Ethan Hawke e Nicole Kidman, os pais de Amleth. Todos os momentos dos dois em tela são carregados pelo drama e a tragédia da história.
É interessante que o estilo de Eggers combine com o fator “lenda” do filme. O fascínio do diretor por elementos fantásticos e, podemos dizer assim, estranhos, traz para O Homem do Norte momentos que o afastam de narrativas históricas tradicionais, mas que não deixam a trama se arrastar ou mesmo parecer um show-off de estética, como vimos ano passado em O Cavaleiro Verde. Todo o ritual com Willem Dafoe, no início do filme, é fascinante e prende a nossa atenção na tela, por exemplo. O mesmo pode ser dito com a cena de Bjork ou a que Amleth recebe uma espada.
Eggers ainda apresenta um novo lado que não conhecíamos: o do ótimo diretor de ação. Mais uma vez dá para entender o entusiasmo de Alfonso Cuarón com o filme. Robert Eggers e o cinematógrafo Jarin Blaschke, que trabalhou com o diretor em A Bruxa e O Farol, criam longos planos de lutas de espadas, machados, arco e flecha, com dezenas de figurantes, cavalos e tudo mais que um épico tem direito. Entretanto, as cenas são bem controladas, com a ação fazendo parte da história e não apenas um momento em que o roteiro se retira para dar espaço apenas para a ação.
O Homem do Norte vale cada minutos das mais de duas horas de duração. Aliás, todas as paisagens da Islândia são de cair o queixo. Entretanto, a beleza do filme seria apenas perfumaria se não nos importássemos com a jornada de Amleth. Se o sotaque carregado, com os personagens falando inglês o tempo todo, ainda é um gatilho para escaparmos da imersão, assim como a barba bem feitinha de Skarsgard, a fantasia, a violência e a fotografia utilizando luzes naturais nos transportam diretamente para aquele mundo. E Robert Eggers se mostra, mais uma vez, um mestre nisso.