Mílton Gonçalves (1933-2022) era um ator versátil e bastante presente em diversas obras audiovisuais nacionais. Naturalmente o leitor vai lembrar de sua fisionomia em alguma novela de sua nostalgia pessoal, dada a popularização deste produto via TV aberta, mas Milton foi muito mais que um ator secundário dentro da indústria nacional de teledramaturgia.

Começo citando por um curta-metragem que assisti na minha época de curso de roteiro para cinema e TV ministrado pela Academia Internacional de Cinema (AIC) do Rio de Janeiro, entre 2017 e 2018, chamado “Couro de Gato” (1962), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, apresentado na aula do meu orientador Juliano Gomes. Uma breve aparição de Milton neste curta já traz a tradicional frase “ih, conheço esse ator”, quando na verdade poucos conhecem realmente aquele ator.

Apesar de Milton Gonçalves ser um dos principais atores negros da história da dramaturgia brasileira em diversas seções, pouco se valorizou seu talento com papéis de protagonismo no cinema e na TV. Puxar a memória e pensar no Milton dominando um cartaz de filme antigo, o seu auge na carreira,  é um exercício complexo de memória, e na minha veio “A Rainha Diaba” (1974), de Antônio Carlos Fontoura, onde o ator faz um mafioso-travesti que, ao saber que um dos seus protegidos está perseguido pela polícia, resolve produzir um bandido “fake” para dispersar o foco nele.

Pensando que o filme foi produzido em 1974 e o contexto político nacional, percebe-se que Milton era um ator engajado nas causas sociais brasileiras, e isso também é notório para quem o conheceu minimamente. Além de papéis marcantes em filmes que são verdadeiros tratados sobre a resistência à ditadura, como “Macunaíma” (1969), de Joaquim Pedro de Andrade; “O Anjo Nasceu” (1969), de Julio Bressane; “Ladrões de Cinema” (1977), de Fernando Coni Campos; e “Eles Não Usam Black-Tie” (1981), de Leon Hirzsman (o filme nacional predileto deste que escreve). Todos filmes marcantes na mensagem e no diálogo com aquele mundo atual que se desenhava.

Na vida real, também era engajado tanto no movimento negro como também na política partidária, sendo inclusive candidato a governador do Estado do Rio de Janeiro em 1994. Foi homenageado no desfile de escola de samba da Acadẽmicos de Santa Cruz ainda em vida em 2021, o que é muito pouco por toda sua carreira no cinema, na TV e no teatro. Sua morte deixa um enorme legado à cultura brasileira, e uma chama a mais na discussão de representatividade no audiovisual brasileiro, e sobre racismo em geral em nossa socieade.

Milton, presente!