Onde: Cinemas
Um novo nome em Hollywood dirige seu primeiro projeto: um dos filmes de terror mais comentados dos últimos tempos e que é um sucesso de público e bilheteria. Em seu segundo filme, recebe mais dinheiro, mais astros do cinema e volta a repetir a fórmula que deu certo no anterior. No próximo, faz um filme mais maduro, um sci-fi clássico, mas que deixa o público com pouco (pelo menos à primeira vista) daquilo que criou tanto burburinho nas obras anteriores.
O parágrafo acima poderia descrever o início da carreira de M. Night Shyamalan e os excelentes O Sexto Sentido, Corpo Fechado e Sinais. Entretanto, ele também se aplica ao já oscarizado Jordan Peele e seus filmes: Corra!, Nós e o novo Não! Não Olhe!.
Em 2017, um ano após o #OscarSoWhite, Jordan Peele estreou como diretor, tacando gasolina na fogueira das discussões sobre racismo com Corra!, filme que rendeu o Oscar de Roteiro Original para o próprio e foi um fenômeno. Todo mundo correu para assistir ao filme que os amigos estavam comentando, que gerava discussões sobre a mistura de terror, comédia, crítica social e estranheza, que acabou sendo considerado como o melhor roteiro do século 21 (até agora) pelo Sindicato dos Roteiristas de Hollywood.
E então, Nope?
As buscas pelas metáforas e comparações do que era visto em tela com a realidade perseguiram Nós, um terror slasher de invasão de casa. O significado da tesoura, dos invasores, do símbolo dos bonequinhos de mãos dadas… e por aí vai.
Agora, ao fim da sessão de Não! Não Olhe! praticamente todos na sala de cinema se voltaram para os acompanhantes com cara de: e aí? Entendeu? O que ele quis dizer?
A verdade é que Peele parece o menos interessado em criar essa discussão em Nope, no original, e mais focado no espetáculo visual e sensorial que um thriller sci-fi pode ter. Não que a acidez social do diretor não esteja presente. Ela aparece desde o início, permeia os detalhes da trama e se faz presente no plot principal. Entretanto, ao contrário de Corra!, por exemplo, Não! Não Olhe! conseguiria funcionar sem essa parte do roteiro, diretamente ligada ao personagem de Steven Yeun (ótimo, por sinal).
No filme, acompanhamos a família Haywood, famosos criadores e adestradores de cavalos, que, após a perda do pai sob circunstâncias misteriosas, precisa lidar com fenômenos,aparentemente extraterrestres, na região da fazenda. Com a ajuda da irmã Emerald (Keke Palmer), OJ (Daniel Kaluuya)quer provar ao mundo o que está acontecendo ali.
É preciso pisar em ovos para resumir a história de Não! Não Olhe! sem estragar as surpresas. Um cuidado que os últimos trailers não se deram o trabalho de ter.
O filme é um grande blockbuster a moda antiga. Junta o clima de Além da Imaginação das outras obras do diretor (que também produziu um remake da série) com os elementos que tornaram Steven Spielberg o rei do cinemão em Tubarão, Contatos Imediatos e Jurassic Park.
A criação de suspense, a partir das sensações do público, é coisa rara na Hollywood tão repetitiva, explicativa e grandiloquente dos últimos anos. Peele bebe direto da fonte de Spielberg, assim como Shyamalan fez em Sinais, e esconde a ameaça, nos colocando juntos com Kaluuya e Palmer na dúvida do que está por vir. Spielberg e John Williams nos fizeram temer, apenas com algumas notas musicais, um tubarão branco que nunca enxergamos. Em Não Olhe!, em vários momentos, a câmera comandada pelo ótimo Hoyte Van Hoytema coloca o espectador de olho no céu, procurando algum tipo de movimento ou corpo estranho. Fotografia e direção brincam com a nossa curiosidade, ao mesmo tempo que deixam clara a força da ameaça e o perigo real que os Haywood correm. É o mesmo que Jurassic Park fez com brilhantismo na cena do T-Rex.
Mistério e primor técnico?
Esse mistério todo funciona ainda melhor por causa da dupla principal. Daniel Kaluuya é o parceiro perfeito para Jordan Peele. O ator consegue criar uma estranheza ímpar em seu personagem: um olhar que sempre vem de baixo, mais calado que os outros, uma postura e uma forma de caminhar desleixadas, mas que nunca deixa de ter a coragem genuína, principalmente quando o assunto envolve a família. Já Keke Palmer é o grande destaque do filme. Emerald é uma personagem que, assim como a Adelaide, de Lupita Nyong’o, em Nós, é cheia de carisma e vai se tornando maior ao longo da jornada.
Jornada essa que também bebe da fonte de Spielberg em seu primor técnico. Mesmo com o diretor escondendo a ameaça, todas as imagens são claras. As cenas a noite de Não! Não Olhe! são o exemplo perfeito de que não é preciso fazer um filme absolutamente escuro para criar suspense. É possível ver todas as tonalidades de azul no céu, o contraste das nuvens e a luz que reflete no campo. Tudo isso gera um senso de profundidade e espaço necessários para o cenário e para o estabelecimento da ameaça. A movimentação da câmera nos coloca junto com Kaluuya nos momentos mais tensos do filme e sempre se mexe acompanhando o olhar do espectador.
O foco de Não! Não Olhe! é o visual e isso pode deixar a sensação de que o filme é o mais raso de Jordan Peele. Entretanto, o espetáculo é em si o que o público tanto quer discutir sobre o filme: uma sociedade de espetáculo, o preço que se paga, consequências e as rotinas que ela provoca.
Rotinas essas que parecem ser a maldição de diretores tão inventivos e imaginativos quanto Peele e Shyamalan. Este último acabou refém da própria criatividade e de seus plot twists. Shyamalan tem negada qualquer chance de contar uma história simples, mesmo que cheia de bons elementos. Jordan Peele parece ameaçado pelo mesmo: uma obrigatoriedade do debate pós-sessão e a busca de um significado para o todo. Mesmo que essa seja “apenas” em um grande filme sci-fi de verão.